«O ataque às igrejas de San Rafael e de San Tadeo teve mais eco na imprensa local do que as mulheres assassinadas nos meses anteriores. No dia seguinte, Juan de Dios Martínez, juntamente com dois polícias, percorreu o bairro Kino e o bairro La Preciada, mostrando às pessoas o retrato robôt do agressor. Ninguém o reconheceu. À hora do almoço os polícias foram ao centro e Juan de Dios Martínez ligou à directora do manicómio. A directora não tinha lido os jornais e nada sabia do que havia acontecido na noite anterior. Juan de Dios convidou-a para almoçar. A directora, contra o que ele estava à espera, aceitou o convite e marcaram o encontro num restaurante vegetariano na Rua Río Usumacinta, no bairro Podestá. Ele não conhecia o restaurante e quando chegou pediu uma mesa para dois e um whisky enquanto a esperava, mas ali não serviam bebidas alcoólicas. O empregado de mesa que o atendeu tinha uma camisa axadrezada e sandálias, e olhou-o como se ele estivesse doente ou se tivesse enganado de restaurante. O sítio pareceu-lhe agradável. As pessoas que ocupavam as outras mesas falavam em voz baixa e ouvia-se uma música como se fosse de água, o barulho da água a deslizar por umas lajes. A directora viu-o logo que entrou, mas não o cumprimentou e pôs-se a falar com o empregado que estava do outro lado do balcão a preparar uns sumos naturais. Após trocar uma palavras com ele, aproximou-se da mesa. Estava vestida com umas calças cinzentas e uma camisola de lã decotada cor de pérola. Juan de Dios Martínez levantou-se quando ela chegou junto dele e agradeceu-lhe ter aceitado o seu convite. A directora sorriu: tinha dentes pequenos e regulares, muito brancos e afiados, o que dava ao sorriso um ar carnívoro que destoava da especialidade do restaurante.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 423-424.