Na taberna quando estamos,
De mais nada nós curamos,
Que de jogo que jogamos,
Mais do vinho que bebemos.
Quando juntos na taberna,
Numa confusão superna,
Que fazemos nós por lá?
Não sabeis? Pois ouvi cá.
Nós jogamos, nós bebemos,
A tudo nos atrevemos.
O que ao jogo mais se esbalda
Perde as bragas, perde a fralda,
E num saco esconde o couro,
Pois que um outro conta o ouro.
E a morte não val' um caco
Pra quem só joga por Baco.
Nossa primeira jogada
É por quem paga a rodada.
Depois se bebe aos cativos,
E a seguir aos que estão vivos.
Quarta roda, aos cristão juntos.
Quinta roda, aos fiéis defuntos.
Sexta, às putas nossas manas,
E sete às bruxas silvanas.
Oito, aos manos invertidos.
Nove, aos frades foragidos,
Dez, se bebe aos navegantes,
Onze, é para os litigantes,
E doze, dos suplicantes,
E treze, pelos viandantes.
Pelo Papa e pelo Rei
Bebemos então sem lei.
Bebem patão e patroa,
Bebem padre e capitão,
Bebe o amado e bebe a amada,
Bebem criado e criada,
Bebe o quente e o piça fria,
Bebe o da noite e o do dia,
Bebe o firme, bebe o vago,
Bebe o burro e bebe o mago.
Bebe o pobre e bebe o rico,
Bebe o pico-serenico,
Bebe o infante, bebe o cão,
Bebem cónego e deão,
Bebe a freira e bebe o frade,
Bebe a besta, bebe a madre,
Bebem todos do barril,
Bebem cento, bebem mil.
Nenhuma pipa se aguenta
Com esta gente sedenta,
Quando bebe sem medida
Quem de beber faz a vida.
E quem de nós se fiou,
Sem cheta s'arrebentou.
E quem de nós prejulgava,
Se quiser, que vá à fava.
"Carmina Burana"
(Trad.: Jorge de Sena)