«Ao fim de uma semana, Imma ainda não tinha voltado. Lola imaginou-a pequenina, de olhar impávido, um rosto de camponesa culta ou de professora de ensino secundário assomada a um vasto campo pré-histórico, uma mulher de quase cinquenta anos vestida de preto percorrendo sem olhar para os lados, sem olhar para trás, um vale onde ainda era possível distinguir as pegadas dos grandes predadores dos resvaladiços herbívoros. Imaginou-a parada num cruzamento enquanto camiões de transporte de grande tonelagem passavam ao seu lado sem abrandar, levantando nuvens de poeira que não lhe tocavam, como se a sua indecisão e o seu estado indefeso fossem um estado de graça, uma campânula que a protegesse das inclemências da sorte, da natureza e dos seus semelhantes. Ao nono dia a dona da pensão pô-la na rua. A partir dessa altura dormiu na estação dos caminhos-de-ferro, num armazém abandonado onde dormiam alguns mendigos que se ignoravam mutuamente, em campo aberto, junto aos limites que separavam o manicómio do mundo exterior. Uma noite foi à boleia até ao cemitério e dormiu num gavetão vazio. Na manhã seguinte sentiu-se feliz e afortunada e decidiu esperar ali o regresso de Imma. Tinha água para beber e para lavar a cara e os dentes, estava perto do manicómio, era um lugar aprazível.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 210.