Lamentavelmente, Sócrates é um homem com sorte.
Em 2005, de um dia para o outro, sem estar minimamente preparado e sem ter feito nada para o merecer, Sócrates recolheu a confiança da maioria dos portugueses e viu-se na pele de primeiro-ministro. Teve a sorte de o ter precedido Santana Lopes: um político superficial, ingénuo, mais preocupado com as aparições mediáticas do que com o estudo aprofundado dos problemas do país. Meteu-se em várias embrulhadas e deu o pretexto para que o Presidente da República, de então, o despedisse. Perante um PSD e um CDS descredibilizados, a maioria dos portugueses considerou que não tinha outra alternativa senão votar em Sócrates. Era a escolha do mal menor. Sócrates venceu com maioria absoluta.
Três anos e meio depois de ter tomado posse e de ter feito uma governação que pode ser definida em cinco tópicos: aventureirismo, irresponsabilidade, arrogância, prepotência e incompetência; Sócrates teve a sorte de lhe ter saído ao caminho, mais do que oportunamente, uma crise mundial. Foi a crise mundial que serviu para justificar os milhões e milhões e milhões de euros que andou a distribuir durante o ano de 2009, ano eleitoral.
Depois de, durante três anos, ter congelado carreiras, ter aumentado impostos, ter cortado direitos, ter aumentado a idade da reforma, ter reduzido as pensões, ter, sem critério ponderado e sério, tirado dinheiro à Saúde, à Educação e à Justiça — três áreas nucleares de qualquer país —, Sócrates pôde encontrar desculpa para comprar votos com a distribuição de milhares de milhões de euros em subsídios, em aumentos salariais, em aumento de pensões, em abonos, em obras disto e daquilo, em computadores, etc., etc., etc. Isto é, tudo aquilo que durante três anos afirmou ser-lhe totalmente vedado fazer, em nome da redução do défice, num ápice, e logo no momento eleitoralmente certeiro, não só deixou de lhe ser vedado como passou a ser mais que justificado. E de um défice de menos de 3% passámos, sem problemas de coerência nem de pudor, para um histórico défice de 9,4% (muito acima, lembre-se, da famosíssima e ridícula previsão, do Banco de Portugal, de 6,83% para o ano 2005). Assim, e cumulativamente com um PSD fratricida e sem ideias, Sócrates conseguiu vencer, ainda que com a perda de meio milhão de votos e da maioria absoluta.
Agora, Sócrates voltou a ser bafejado com a sorte, que parece nunca o desamparar: o PSD elegeu Passos Coelho como líder.
Antes da justificação, um esclarecimento: não tenho, relativamente ao PSD, qualquer expectativa de que dali possam surgir propostas políticas inovadoras que resultem de uma procura séria e empenhada de alternativas ao statu quo. O PSD, como o PS de Sócrates, é um partido que apenas nos dá mais do mesmo, que apenas nos dá receitas velhas para resolver problemas velhos. Não será, certamente, do PSD que surgirão ideias novas resultantes de uma vontade empenhada em mudar, de modo substantivo, a cultura e as estruturas dominantes da sociedade em que vivemos.
Dito isto, acrescento, porém, que teria sido desejável que, no mínimo, este partido tivesse elegido um líder que não fosse apenas a outra face da moeda do socratismo. Para além do ar «moderno» que Passos Coelho e Sócrates procuram aparentar, o discurso do primeiro é igual ao do segundo, mas para pior. Apesar de em ambos não se conseguir encontrar uma única afirmação que denote a existência de um pensamento autónomo, isto é, de um pensamento que não se traduza somente no recorrente e cansativo discurso que concebe as pessoas como números de uma abstracta estatística; em Sócrates, devido à família política a que pertence, ainda conseguimos ouvir salpicos de circunstanciais preocupações sociais; em Passos Coelho, nem isso. Parece que o novo líder do PSD ainda vive na doce ilusão de que o liberalismo é a solução para os gravíssimos problemas do mundo. E é por isso que fala em privatizar, privatizar e privatizar, a começar pela Caixa Geral de Depósitos, é por isso que fala em alterar a regra de contratação na administração pública de 2 por 1 para 5 por 1, como se se tratasse de um leilão a ver quem dá mais. E, tudo o indica, vai ser este o rumo que Passos Coelho vai seguir.
A ser assim, se é apenas isto que Passos Coelho tem para dizer e oferecer, Sócrates vai continuar a ter sorte. O problema é que a continuada sorte de Sócrates persistirá em ser o nosso continuado e insuportável azar.
Em 2005, de um dia para o outro, sem estar minimamente preparado e sem ter feito nada para o merecer, Sócrates recolheu a confiança da maioria dos portugueses e viu-se na pele de primeiro-ministro. Teve a sorte de o ter precedido Santana Lopes: um político superficial, ingénuo, mais preocupado com as aparições mediáticas do que com o estudo aprofundado dos problemas do país. Meteu-se em várias embrulhadas e deu o pretexto para que o Presidente da República, de então, o despedisse. Perante um PSD e um CDS descredibilizados, a maioria dos portugueses considerou que não tinha outra alternativa senão votar em Sócrates. Era a escolha do mal menor. Sócrates venceu com maioria absoluta.
Três anos e meio depois de ter tomado posse e de ter feito uma governação que pode ser definida em cinco tópicos: aventureirismo, irresponsabilidade, arrogância, prepotência e incompetência; Sócrates teve a sorte de lhe ter saído ao caminho, mais do que oportunamente, uma crise mundial. Foi a crise mundial que serviu para justificar os milhões e milhões e milhões de euros que andou a distribuir durante o ano de 2009, ano eleitoral.
Depois de, durante três anos, ter congelado carreiras, ter aumentado impostos, ter cortado direitos, ter aumentado a idade da reforma, ter reduzido as pensões, ter, sem critério ponderado e sério, tirado dinheiro à Saúde, à Educação e à Justiça — três áreas nucleares de qualquer país —, Sócrates pôde encontrar desculpa para comprar votos com a distribuição de milhares de milhões de euros em subsídios, em aumentos salariais, em aumento de pensões, em abonos, em obras disto e daquilo, em computadores, etc., etc., etc. Isto é, tudo aquilo que durante três anos afirmou ser-lhe totalmente vedado fazer, em nome da redução do défice, num ápice, e logo no momento eleitoralmente certeiro, não só deixou de lhe ser vedado como passou a ser mais que justificado. E de um défice de menos de 3% passámos, sem problemas de coerência nem de pudor, para um histórico défice de 9,4% (muito acima, lembre-se, da famosíssima e ridícula previsão, do Banco de Portugal, de 6,83% para o ano 2005). Assim, e cumulativamente com um PSD fratricida e sem ideias, Sócrates conseguiu vencer, ainda que com a perda de meio milhão de votos e da maioria absoluta.
Agora, Sócrates voltou a ser bafejado com a sorte, que parece nunca o desamparar: o PSD elegeu Passos Coelho como líder.
Antes da justificação, um esclarecimento: não tenho, relativamente ao PSD, qualquer expectativa de que dali possam surgir propostas políticas inovadoras que resultem de uma procura séria e empenhada de alternativas ao statu quo. O PSD, como o PS de Sócrates, é um partido que apenas nos dá mais do mesmo, que apenas nos dá receitas velhas para resolver problemas velhos. Não será, certamente, do PSD que surgirão ideias novas resultantes de uma vontade empenhada em mudar, de modo substantivo, a cultura e as estruturas dominantes da sociedade em que vivemos.
Dito isto, acrescento, porém, que teria sido desejável que, no mínimo, este partido tivesse elegido um líder que não fosse apenas a outra face da moeda do socratismo. Para além do ar «moderno» que Passos Coelho e Sócrates procuram aparentar, o discurso do primeiro é igual ao do segundo, mas para pior. Apesar de em ambos não se conseguir encontrar uma única afirmação que denote a existência de um pensamento autónomo, isto é, de um pensamento que não se traduza somente no recorrente e cansativo discurso que concebe as pessoas como números de uma abstracta estatística; em Sócrates, devido à família política a que pertence, ainda conseguimos ouvir salpicos de circunstanciais preocupações sociais; em Passos Coelho, nem isso. Parece que o novo líder do PSD ainda vive na doce ilusão de que o liberalismo é a solução para os gravíssimos problemas do mundo. E é por isso que fala em privatizar, privatizar e privatizar, a começar pela Caixa Geral de Depósitos, é por isso que fala em alterar a regra de contratação na administração pública de 2 por 1 para 5 por 1, como se se tratasse de um leilão a ver quem dá mais. E, tudo o indica, vai ser este o rumo que Passos Coelho vai seguir.
A ser assim, se é apenas isto que Passos Coelho tem para dizer e oferecer, Sócrates vai continuar a ter sorte. O problema é que a continuada sorte de Sócrates persistirá em ser o nosso continuado e insuportável azar.