«Quincy Williams tinha trinta anos quando a mãe morreu. Uma vizinha ligara-lhe para o telefone do trabalho.
- Meu querido - dissera-lhe ela -, Edna morreu.
Perguntou quando. Ouviu os soluços da mulher do outro lado do telefone e outras vozes, provavelmente mulheres. Perguntou como. Ninguém lhe respondeu e desligou o telefone. Marcou o número da casa da mãe.
- Quem fala? - ouviu uma mulher a dizer com a voz colérica.
Pensou: a minha mãe está no inferno. Voltou a desligar. Ligou outra vez. respondeu-lhe uma mulher nova.
- Sou Quincy, o filho de Edna Miller - disse ele.
A mulher exclamou qualquer coisa que ele não entendeu e dali a pouco outra mulher agarrou no aparelho. Pediu para falar com a vizinha. Está na cama, responderam-lhe, acaba de lhe dar um ataque de coração. Quincy, estamos à espera que chegue uma ambulância para a levar para o hospital. Não se atreveu a perguntar pela sua mãe. Ouviu uma voz de homem que proferia um insulto. O tipo devia estar no corredor e a porta de casa da mãe aberta. Levou a mão à testa e esperou, sem desligar, que alguém lhe explicasse alguma coisa. Duas vozes de mulher repreenderam o que tinha blasfemado. Disseram um nome de homem, mas ele não conseguiu ouvi-lo com nitidez.
A mulher que escrevia na secretária ao lado perguntou-lhe se tinha acontecido alguma coisa. Levantou a mão como se estivesse a ouvir algo importante e fez um sinal negativo com a cabeça. A mulher continuou a escrever. Ao fim de um bocado, Quincy desligou, vestiu o casaco que estava pendurado nas costas da cadeira e disse que tinha de ir-se embora.
Quando chegou a casa da mãe só encontrou uma adolescente de uns quinze anos, que via televisão sentada no sofá. A adolescente levantou-se ao vê-lo entrar. Devia medir um metro e oitenta e cinco e era muito magra. Vestia jeans e por cima um vestido preto com flores amarelas, muito largo, como se fosse um blusão.
- Onde está? - perguntou ele.
- No quarto - disse a adolescente.
A mãe estava na cama, com os olhos fechados e vestida como se fosse sair para a rua. Até lhe tinham pintado os lábios. Só lhe faltavam os sapatos. Durante um bocado, Quincy permaneceu junto à porta, olhando para os pés: os dois dedos grandes tinham calos e também viu calos nas plantas dos pés, uns calos grandes que certamente a fizeram sofrer. Mas lembrou-se de que a mãe ia a um podólogo da Rua Lewis, um tal Sr. Johnson, sempre o mesmo, por isso também não devia ter sofrido muito por esse motivo.. Depois olhou para o seu rosto: parecia de cera.
- Vou-me embora - disse a adolescente na sala.
Quincy saiu do quarto e quis dar-lhe uma nota de vinte dólares, mas a adolescente disse-lhe que não queria dinheiro. Insistiu. Por fim, a adolescente pegou na nota e guardou-a no bolso das calças. Para o fazer teve de arregaçar o vestido até à anca. Parece uma freira pensou Quincy, ou a adepta de uma seita exterminadora. A adolescente deu-lhe um papel onde alguém tinha escrito o número de telefone de uma funerária do bairro.
- Eles encarregam-se de tudo - disse com ar sério.
- Está bem - disse ele.
Perguntou pela vizinha.
- Está no hospital - informou a adolescente - acho que estão a por-lhe um pacemaker.
- Um pacemaker?
- Sim - confirmou a adolescente -, no coração.
Quando a adolescente se foi embora, Quincy pensou que a mãe tinha sido uma mulher muito querida pelos seus vizinhos e pelas pessoas do bairro, mas que a vizinha da mãe, cujo rosto não conseguia recordar com clareza, ainda o era mais.»
- Meu querido - dissera-lhe ela -, Edna morreu.
Perguntou quando. Ouviu os soluços da mulher do outro lado do telefone e outras vozes, provavelmente mulheres. Perguntou como. Ninguém lhe respondeu e desligou o telefone. Marcou o número da casa da mãe.
- Quem fala? - ouviu uma mulher a dizer com a voz colérica.
Pensou: a minha mãe está no inferno. Voltou a desligar. Ligou outra vez. respondeu-lhe uma mulher nova.
- Sou Quincy, o filho de Edna Miller - disse ele.
A mulher exclamou qualquer coisa que ele não entendeu e dali a pouco outra mulher agarrou no aparelho. Pediu para falar com a vizinha. Está na cama, responderam-lhe, acaba de lhe dar um ataque de coração. Quincy, estamos à espera que chegue uma ambulância para a levar para o hospital. Não se atreveu a perguntar pela sua mãe. Ouviu uma voz de homem que proferia um insulto. O tipo devia estar no corredor e a porta de casa da mãe aberta. Levou a mão à testa e esperou, sem desligar, que alguém lhe explicasse alguma coisa. Duas vozes de mulher repreenderam o que tinha blasfemado. Disseram um nome de homem, mas ele não conseguiu ouvi-lo com nitidez.
A mulher que escrevia na secretária ao lado perguntou-lhe se tinha acontecido alguma coisa. Levantou a mão como se estivesse a ouvir algo importante e fez um sinal negativo com a cabeça. A mulher continuou a escrever. Ao fim de um bocado, Quincy desligou, vestiu o casaco que estava pendurado nas costas da cadeira e disse que tinha de ir-se embora.
Quando chegou a casa da mãe só encontrou uma adolescente de uns quinze anos, que via televisão sentada no sofá. A adolescente levantou-se ao vê-lo entrar. Devia medir um metro e oitenta e cinco e era muito magra. Vestia jeans e por cima um vestido preto com flores amarelas, muito largo, como se fosse um blusão.
- Onde está? - perguntou ele.
- No quarto - disse a adolescente.
A mãe estava na cama, com os olhos fechados e vestida como se fosse sair para a rua. Até lhe tinham pintado os lábios. Só lhe faltavam os sapatos. Durante um bocado, Quincy permaneceu junto à porta, olhando para os pés: os dois dedos grandes tinham calos e também viu calos nas plantas dos pés, uns calos grandes que certamente a fizeram sofrer. Mas lembrou-se de que a mãe ia a um podólogo da Rua Lewis, um tal Sr. Johnson, sempre o mesmo, por isso também não devia ter sofrido muito por esse motivo.. Depois olhou para o seu rosto: parecia de cera.
- Vou-me embora - disse a adolescente na sala.
Quincy saiu do quarto e quis dar-lhe uma nota de vinte dólares, mas a adolescente disse-lhe que não queria dinheiro. Insistiu. Por fim, a adolescente pegou na nota e guardou-a no bolso das calças. Para o fazer teve de arregaçar o vestido até à anca. Parece uma freira pensou Quincy, ou a adepta de uma seita exterminadora. A adolescente deu-lhe um papel onde alguém tinha escrito o número de telefone de uma funerária do bairro.
- Eles encarregam-se de tudo - disse com ar sério.
- Está bem - disse ele.
Perguntou pela vizinha.
- Está no hospital - informou a adolescente - acho que estão a por-lhe um pacemaker.
- Um pacemaker?
- Sim - confirmou a adolescente -, no coração.
Quando a adolescente se foi embora, Quincy pensou que a mãe tinha sido uma mulher muito querida pelos seus vizinhos e pelas pessoas do bairro, mas que a vizinha da mãe, cujo rosto não conseguia recordar com clareza, ainda o era mais.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 271-273.