quinta-feira, 21 de maio de 2009

A ministra falou

Notícia do sítio do Público (7h35, 21/05/09):
«A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considera que a avaliação de desempenho dos professores é "uma reforma ganha", afirmando compreender a insatisfação docente, tendo em conta a rotura introduzida num "marasmo" de 30 anos de "total indiferenciação".
"Do meu ponto de vista foi uma reforma ganha. Temos hoje milhares de professores a fazer a avaliação, o que significa que é hoje um adquirido nas escolas. (...) Oitenta mil professores entregaram os objectivos individuais e 30 por cento destes requereram uma componente da avaliação que era facultativa", afirma a ministra. Para Maria de Lurdes Rodrigues, esta reforma introduziu uma rotura "num marasmo de mais de 30 anos de total indiferenciação e pseudo igualitarismo", já que "a ausência total de princípios mínimos de competição" era "muito negativa para as escolas".
[...] Questionada sobre as manifestações realizadas no ano passado e a do próximo dia 30, Maria de Lurdes Rodrigues afirma "compreender" o descontentamento dos docentes, mas adianta que a sua preocupação "é garantir que o profissionalismo não é beliscado com a insatisfação, algo que todos temos que exigir".»

Do ponto de vista político, a ministra da Educação, para além de irresponsável, é uma pessoa sem pudor. Maria de Lurdes Rodrigues tem sido várias vezes comparada ao ex-vice-primeiro-ministro iraquiano, Tareq Aziz, que, com as tropas americana às portas de Badgad, proclamava a vitória e o extermínio das forças inimigas. Esta comparação não é exagerada. Em ambos os casos está presente uma intencional tentativa de adulteração da realidade e uma objectiva inconsciência do grotesco. A história, lamentavelmente, está cheia de políticos assim. Maria de Lurdes Rodrigues é, tristemente, mais um caso. Tristemente, para a Educação em Portugal e para aqueles que tinham o direito a ter uma formação adequada (os alunos) e para aqueles que tinham o direito a exercer com dignidade a sua profissão (os professores). Nestes quatro anos, alunos e professores foram extorquidos desses elementares direitos. No futuro, a história a julgará.
Mas, hoje, quem a julga somos nós. Em primeiro lugar, nós, os professores, temos a obrigação de, enquanto profissionais, desmontar a enorme, a gigantesca mentira que tem sido e continua a ser a política educativa deste Governo.
Dizer que a avaliação de desempenho dos professores «foi uma reforma ganha» é o mesmo que dizer: «os iraquianos ganharam a guerra e os americanos nem sequer entraram no Iraque». Tem rigorosamente o mesmo valor e a mesma verdade.
Ao ler a afirmação: «temos hoje milhares de professores a fazer a avaliação, o que significa que é hoje um adquirido nas escolas», recordei-me dos tempos em que Herman José tinha atingido um estatuto tal (merecido, na altura) que lhe era permitido, em qualquer lugar e a qualquer hora, dizer tudo o que lhe viesse à cabeça, por mais disparatado e excêntrico que fosse. Maria de Lurdes Rodrigues se quiser atingir aquele estatuto de inimputabilidade tem, primeiro, de assumir que é uma pantomineira. Se tiver essa coragem, nós perdoar-lhe-emos tudo, como fazíamos ao Herman, mas, se não fizer essa opção de fundo, não poderemos permitir que se julgue no direito de faltar à verdade e de querer enganar quem a lê ou ouve, sem ser desautorizada e desmentida. A Educação não é o reino da pantominice. É uma coisa séria, tão séria que não deveria poder ser entregue nas mãos de qualquer um ou de qualquer uma.
Nas escolas, o que se passa é um enorme e vergonhoso simulacro de avaliação de desempenho. Neste preciso momento em que escrevo, há ainda quem vá formular objectivos individuais. Objectivos individuais cujo o grau de cumprimento será avaliado daqui a um mês, e cujos resultados constituirão a avaliação de desempenho do último ano e meio de serviço prestado pelo professor. Eu repito: Neste preciso momento em que escrevo, há ainda quem vá formular objectivos individuais. Objectivos individuais cujo o grau de cumprimento será avaliado daqui a um mês, e cujos resultados constituirão a avaliação de desempenho do último ano e meio de serviço prestado pelo professor.
No fim de Maio, formulam-se objectivos. Em Junho, faz-se a avaliação. E de uma assentada fica ano e meio avaliado.
Que não se argumente que a maioria dos tais 80 mil professores formularam os objectivos em Fevereiro, não agora. Qual é a diferença substantiva entre uma situação e outra? Uns avaliam ano e meio num mês e os outros avaliam ano e meio em quatro meses. Que diferença isto faz? Que seriedade existe nisto? Nenhuma.
E se fossemos, agora, analisar o conteúdo dessa avaliação e os seus instrumentos, a conclusão seria exactamente a mesma: nenhuma seriedade, nenhum rigor.
Tudo isto é a «reforma ganha». Tudo isto é o que está «adquirido nas escolas». Tudo isto é o «profissionalismo que não é beliscado».
Esta ministra da Educação conseguiu o que parecia impossível: conseguiu fazer do anterior modelo de avaliação um exemplo de rigor e de exigência. Comparativamente com o que agora se passa, não existe a mínima dúvida de que o modelo anterior — aquele que, há anos, eu e muito boa gente criticávamos — era mais sério, mais justo e mais exigente.
A verdade é esta. O resto é farsa política, é desvario, é incapacidade, é desnorte, é pantominice.

P.S. Mas as palavras da ministra não são todas despiciendas. Elas trazem uma boa notícia: se foram 80 mil os que entregaram os objectivos individuais, e se nós somos 140 mil, isso significa que 60 mil professores se recusaram a fazê-lo. Um número muito superior aos 40 mil adiantados por alguns sindicatos.
Conclusão: mais de 40% dos professores recusaram entregar os objectivos e a ministra considera que a reforma está ganha e que é um dado adquirido.
Tenho de me corrigir: Tareq Aziz não era assim tão mau.