sexta-feira, 15 de maio de 2009

Carta aberta à ministra da Educação (excertos)

«Senhora ministra:
Dentro de poucos meses partirá para um exílio dourado. Obviamente que partirá, seja qual for o resultado das eleições. É tempo de lhe dizer, com frontalidade, e antes que o ruído da campanha apague o meu grito de revolta, como a considero responsável por quatro anos de Educação queimada.
[...]
A senhora ministra falhou estrondosamente com o sistema de avaliação do desempenho dos professores, a vertente mais mediática da enormidade a que chamou estatuto da carreira. A sua intenção não foi [...] dignificar o exercício de uma profissão estratégica para o desenvolvimento do país. A senhora anda há um ano a confundir classificação do desempenho com avaliação do desempenho e demonstrou ignorar o que de mais sério existe na produção teórica sobre a matéria. Permitiu e alimentou mentiras inomináveis sobre o problema.
O saldo é claro e incontestável: da própria aberração técnica que os seus especialistas pariram nada resta. Terá os professores classificados com bom, pelo menos, exactamente o que criticava quando começou a sua cruzada, ridiculamente fundamentalista.
A que preço? Coisa difícil de quantificar. Mas os cacos são visíveis e vão demorar anos a reunir: o maior êxodo de todos os tempos de profissionais altamente qualificados; a maior fraude de que há memória quando machadou com critérios de vergonha carreiras de uma vida; [...].
Não tem vergonha desta coroa? Não tem vergonha de vexar uma classe com a obrigação de entregar objectivos individuais no fim do ano, como se estivesse a começar? Acha sério mascararar de rigor a farsa que promoveu?

A senhora ministra falhou quando fez aprovar um modelo de gestão de escolas, castrador e centralizador. [...]

A senhora ministra falhou quando promoveu a escola que não ensina. Mostre ao país, a senhora que tanto ama as estatísticas, quanto tempo se leva hoje para fazer, de uma só tirada, os 7.º, 8.º e 9.º anos e, depois, os 10.º, 11.º e 12.º.
E sustente, perante quem conhece, a pantomina que se desenvolveu à volta do politicamente correcto conceito de escola inclusiva, para lá manter, a qualquer preço, em ridículas formações pseudoprofissionais, os que antes sujavam as estatísticas que a senhora oportunisticamente branqueou.
Ouse vir discutir publicamente a demagogia de prolongar até aos 18 anos a obrigatoriedade de frequentar a escola, no contexto do país real e quando estamos ainda tão longe de cumprir o actual período compulsivo, duas décadas volvidas sobre o respectivo anúncio.[...]
Compreendo, portanto, que no pastel kafkiano a que chamou estatuto de carreira não se encontre o vocábulo ensinar. [...] Só lhe faltou mudar o nome à casa onde pontifica. Devia chamar-se agora, com propriedade, Ministério da Certificação e das Novas Oportunidades. Não tem remorsos?

A senhora ministra falhou rotundamente quando promoveu um estatuto do aluno que não ajuda a lidar com a indisciplina generalizada [...] e, pasme-se, manifestou a vontade de proibir as reprovações, segundo a senhora, coisa retrógada.[...]

Falhou também quando baniu clássicos da nossa literatura e permitiu a redução da Filosofia.

Falhou ainda quando manipulou estatisticamente os resultados escolares e exibiu os que não se verificaram. [...]

Falhou [...] quando se deixou implicar no logro do falso relatório da OCDE e no deslumbramento saloio do Magalhães.

Por tudo isto e muito mais que aqui não cabe, a senhora é, em minha opinião, uma ministra falhada. Parte sem que eu por si nutra qualquer espécie de respeito político ou intelectual.»
Santana Castilho, Público (13/5/09)