Uma das competências do conselho geral é a de «eleger o director». A forma como, na lei (Decreto-Lei n.º 75/2008 e Portaria n.º 604/2008), essa eleição está concebida constitui mais um desgraçado exemplo de como ideias mal pensadas geram resultados desastrosos — Sócrates e Rodrigues foram, como se sabe, exímios na arte de mal pensar e de mal legislar, e esta lei, de que ambos são responsáveis, ilustra-o bem.
Vejamos como é feita a eleição do director pelo conselho geral.
Antes de ser realizada a eleição é necessário desenvolver um processo concursal. Qual é o objectivo do processo concursal? A Portaria que regulamenta este processo é muito clara: «o processo concursal procura apurar qual dos candidatos se encontra em melhores condições para exercer o cargo de director». Sublinho: «apurar qual dos candidatos se encontra em melhores condições».
Para ser realizado esse apuramento, está estipulado que o conselho geral mandate a sua comissão permanente ou crie uma comissão especializada para que esta elabore um relatório de avaliação das candidaturas existentes. Esse relatório é feito a partir da avaliação de três elementos: do curriculum vitae de cada candidato; do projecto de intervenção na escola, que cada um deles tem de apresentar; e da entrevista individual realizada com os candidatos.
Um pormenor importante: «os métodos» [sic] de avaliação das candidaturas, são aprovados pelo conselho geral. Só depois dessa aprovação, o processo de eleição é desencadeado, e a comissão, após a análise dos elementos acima referidos, elabora o relatório avaliativo.
Feito o relatório, o conselho geral aprecia-o e decide uma de duas coisas: se considerar o relatório esclarecedor, proceder à votação; ou, se considerar que o relatório não é suficientemente esclarecedor, proceder complementarmente a uma audição, em plenário, de cada um dos candidatos, e só depois realizar a votação.
Basicamente é este o processo. Vamos agora aos paradoxos e aos dislates.
1. Como vimos, o processo que a comissão deve desenvolver tem por objectivo «apurar qual dos candidatos se encontra em melhores condições». Mas, curiosamente, a Portaria que diz isto, diz também o seguinte: «a comissão não pode, no relatório, proceder à seriação dos candidatos» (Artigo 7.º). A comissão tem, pois, de avaliar qual é o candidato em melhores condições para ser director, mas não pode colocar os candidatos numa série, numa lista, isto é, uns à frente de outros! Ora, o problema comezinho que se levanta é este: se os candidatos forem dois (o que acontece em muitos casos), como é que se diz qual é o candidato em melhores condições para o exercício do cargo, sem o colocar, inevitavelmente e por consequência, à frente do outro que se considera não possuir tão boas condições? Até hoje, ainda não compreendi nem consegui que alguém me explicasse como é que isto se faz.
Mas, se forem mais do que dois candidatos, também não se compreende qual é o problema da seriação, se aquilo que se pretende é que a comissão apure sempre qual candidato possui as melhores condições. Mas adiante.
2. Olhando-se para o que a legislação estipula, fica-se com uma dúvida insanável: o que é que verdadeiramente se pretende? Pretende-se que a escolha do director seja feita por concurso ou por eleição? As duas coisas, em simultâneo, é que não se pode pretender. Se a comissão apura, segundo os critérios definidos pelo conselho geral, «qual dos candidatos está em melhores condições» e escreve-o no relatório, o que pode, com seriedade, o conselho geral fazer? Se o conselho geral prescinde de ouvir, em plenário, os candidatos, porque considera que o relatório cumpriu e aplicou os critérios enunciados e porque considera que a conclusão a que o relatório chega é clara e credível, só pode, para ser coerente consigo próprio e para que haja seriedade no processo, votar no candidato indicado como aquele que reúne as melhores condições. Não resta alternativa.
3. Na verdade, se, por lei, se atribui à comissão a incumbência de «avaliar» as candidaturas para «apurar o candidato que reúne as melhores condições» para o exercício do cargo, segundo critérios definidos pelo conselho geral, não se está a atribuir a essa comissão uma mera função de validar as candidaturas, isto é, de apenas verificar se os candidatos possuem ou não os pré-requisitos legais para se poderem candidatar. Validar e avaliar candidaturas são, obviamente, actos diferentes e com consequências diferentes.
Deste modo, não pode acontecer que o relatório, em resultado de uma avaliação criteriosa, apure o candidato que apresenta as melhores condições para a função e que o conselho geral considere que a comissão aplicou correctamente os critérios definidos pelo próprio conselho e, depois, na votação, ser eleito outro candidato que não aquele que obteve a melhor avaliação. Se isto acontece, é porque há outros critérios, neste caso, ocultos, que levam a uma decisão diferente. E, neste caso, não há ponta de seriedade no processo — quer em relação à elaboração dos critérios, que depois não são respeitados, quer em relação ao trabalho da comissão que elabora o relatório. (Lamentavelmente, são múltiplos os casos em que esta situação ocorreu, por causa dos mais variados e escondidos interesses — dos pessoais aos partidários).
4. Concluindo: se há um verdadeiro processo concursal, não há uma verdadeira eleição; se há uma eleição, não pode haver processo concursal. Mas Sócrates e Rodrigues acharam que sim, que os hibridismos grosseiros eram a solução. Segundo parece, Crato também acha o mesmo...
Continua na próxima semana.