Complementarmente às referências genéricas que, na semana passada, fiz sobre o conselho geral, tentarei agora detalhar e fundamentar as razões pelas quais considero que este órgão, apesar de ser o único que possui alguma, ainda que minguada, legitimidade democrática, está mal pensado e deve ser profundamente reformulado ou extinto.
O Artigo 11.º do Decreto-Lei 75/2008 diz que «O conselho geral é o órgão de direcção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da actividade da escola, assegurando a participação e representação da comunidade educativa, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo.»
Nota 1 - Não é verdade que o conselho geral, com as funções e a composição que possui, seja um órgão conforme ao estipulado no referido n.º 4 do artigo 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo. Na verdade, o que aí se estipula é uma coisa bem diferente: «A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente». Ora, o órgão de direcção conselho geral tem, na sua composição — para além de professores, alunos e pessoal não docente —, encarregados de educação, representantes da autarquia e representantes da comunidade local. Trata-se, pois, de uma adulteração grosseira e perversa da lei fundamental que regula o sistema educativo.
Nota 2 - Para além desta incompatibilidade legislativa, existe um erro fundamental de concepção deste órgão. Um órgão de direcção estratégica, para poder cumprir cabalmente a função de definir as linhas orientadoras da actividade da instituição que dirige, tem de ser constituído por elementos que tenham conhecimento aprofundado da instituição — da sua natureza, do seu funcionamento e dos objectivos que ela deve cumprir. Definir as linhas orientadoras de uma escola (de um hospital, de um museu, de uma fundação, etc.) não é algo que se enquadre ou se assemelhe a uma agradável conversa de café, em que todos dão palpites, saibam muito, pouco ou nada do assunto. Mas foi para esta situação caricata que Sócrates e Rodrigues atiraram os conselhos gerais.
Felizmente, muitas das pessoas que foram «empurradas» (em particular, representantes autárquicos e da comunidade local) para integrar os conselhos gerais, tendo consciência da sua natural impreparação para o exercício do cargo, rementem-se, sensata e sacrificadamente, ao silêncio, horas a fio, reunião atrás de reunião. Contudo, e misteriosamente, na hora de votar, surge quase sempre uma repentina iluminação que faz com que alguns desses silêncios se juntem, na forma de braço no ar ou de voto secreto, a quem antecipadamente se adivinhava que iriam juntar-se (por interesses partidários, profissionais ou pessoais). Ora, isto faz de muitas reuniões de conselhos gerais que se realizam pelas escolas do nosso país verdadeiros pântanos de conchavos que nada têm que ver com a Educação. Para além da salvaguarda daquele tipo de interesses, nada se ganha por se criar condições para que isto suceda, e a Educação perde sempre.
Sócrates e Rodrigues ao colocarem num órgão de direcção estratégica pessoas que não possuem o mínimo conhecimento da instituição que vão dirigir revelaram laborar num grave erro de concepção e prejudicaram seriamente a forma de gerir as escolas. Na base deste erro está um amontoado de ideias, em alguns casos contraditórias entre si, que, em conjunto ou separadamente, geraram esta concepção. Desse amontoado de ideias refiro as seguintes:
i) a ideia de que sobre Educação toda gente sabe, e mesmo que não saiba muito sabe alguma coisa, o que habilita qualquer um a pertencer ao órgão de direcção estratégica de uma escola;
ii) a ideia de que é possível e desejável importar, de forma acrítica e descontextualizada, um modelo de gestão, isto é, importar independentemente do local de onde a importação vem e do local para onde a importação vai. Omitem-se, com total irresponsabilidade, diferenças culturais e civilizacionais profundas entre o local de partida e o local de chegada, que significam, por vezes, radicais diferenças de valores sociais e pessoais, enormes diferenças de níveis de conhecimentos e de formação e de níveis de consciência e de intervenção cívica;
iii) a ideia de que uma opção política popular e com possibilidades de ser eleitoralmente proveitosa é mais importante do que a resolução séria e reflectida de um problema;
iv) a ideia de que a escola não deve ser gerida democraticamente, mas que deve manter, nos parâmetros mínimos, a aparência de que o é. O conselho geral foi pensado para cumprir essa função, ao mesmo tempo que se terminava com o acto democrático de eleição, pela escola, do seu conselho executivo, e se criava um órgão unipessoal: o director.
v) a ideia de que os professores não são uma classe confiável nem capacitada para orientar estrategicamente uma escola e, por isso, têm de ser minoritários na composição do órgão que tem essa competência.
Continua na próxima semana.