«Se o leitor alguma vez foi rapaz deve recordar-se das preocupações que temos nessa fase da vida e de como elas não nos largam e se, até agora, ainda não tive motivo para referir as minhas, não quer dizer que não fossem companheiras constantes. A vida de um rapaz, tal como a vida de uma ave, não é o que em geral se pensa. Por exemplo, vejam-se os papa-amoras a empanturrarem-se, as felosas-assobiadeiras a satisfazerem a sua gula entre as amoras, as toutinegras-de-barrete-preto a baloiçarem nas roseiras bravas, todos em pânico a quererem engordar antes que o Verão acabe. Eu, pelo meu lado, estava sempre inquieto, não fosse o meu pai morrer como a minha mãe e deixar-me sem ninguém que cuidasse de mim, sem ninguém para me salvar da minha natureza impertinente, das minhas imitações, do meu medo dos desconhecidos na estrada ou nos bosques à noite, dos vagabundos, dos patifes, dos eremitas, dos homens que põem narizes de papelão para assustar os rapazinhos.»
Peter Carey, Parrot e Olivier na América, Gradiva