A lei atribui ao conselho geral o lugar cimeiro na hierarquia do actual modelo de gestão e administração das escolas.
É-lhe atribuído o poder de definir as linhas orientadoras da actividade da escola, nomeadamente a nível da elaboração do orçamento, da acção social escolar, da participação em actividades pedagógicas, científicas, culturais e desportivas. É-lhe atribuído o poder de aprovar ou não os documentos mais importantes para o funcionamento de um estabelecimento de ensino: o projecto educativo (cuja execução também deve acompanhar e avaliar), o regulamento interno, o plano anual de actividades e o relatório final sobre a sua execução, as propostas de contratos de autonomia e o relatório de contas de gerência. Ainda lhe é atribuído o poder de apreciar os resultados do processo de auto-avaliação, de se pronunciar sobre os critérios de organização dos horários, de promover o relacionamento com a comunidade educativa e de acompanhar a acção dos demais órgãos de administração e gestão da escola.
Para além de tudo isto, o conselho geral tem o poder de eleger o director — de o eleger, de o demitir e de o reconduzir ou não.
Formalmente tem todos estes poderes. Mas tem-nos, de facto? Isto é, na realidade, tem condições para os exercer? Não tem. Por diversas razões. Vejamos duas de diferente natureza.
1. Ausência de condições objectivas.
A maioria dos membros do conselho geral tem uma actividade profissional desligada do ensino. Por razões óbvias, esta maioria necessitaria de condições de tempo para poder dedicar-se minimamente ao estudo e preparação da multiplicidade de documentos acima referidos, a fim de se sentir capacitada a formular opinião e a elaborar propostas fundamentadas. Ora, como é natural, as actividades profissionais que essas pessoas desenvolvem não lhes dão essas condições de tempo. Só roubando várias horas ao legítimo direito ao descanso é que esse tempo poderia surgir. Compreensivelmente, muitos não o fazem, do que resulta uma manifesta incapacidade de exercerem os poderes conferidos por lei.
Mesmo os professores que pertencem ao conselho geral o máximo a que poderão ter direito, se o regulamento interno da escola o contemplar, é a uma redução na componente não lectiva, que, todavia, em nada lhes reduz o tempo que dedicam ao trabalho de leccionação. Isto significa que mesmo quem é profissional do ensino tem objectivas limitações para cumprir adequadamente a panóplia de competências que lhe são atribuídas, enquanto conselheiro geral.
Adicionalmente, o conselho geral não possui um serviço de secretariado que o assessore, de modo a ter acesso fácil à informação relevante que chega à escola (desde decretos-lei a simples ofícios e circulares) e à informação que é produzida dentro da própria escola. Sem informação adequada e completa não é possível o exercício pleno das funções que lhe estão destinadas, nomeadamente o de «acompanhar a acção dos demais órgãos de administração e gestão da escola.»
Há, pois, um enorme desequilíbrio entre as responsabilidades que formalmente são atribuídas ao conselho geral e as condições reais que lhe são proporcionadas para as cumprir.
2. Ausência de condições subjectivas.
A composição, as competências e a posição hierárquica que o conselho geral ocupa no organograma do regime de administração e gestão das escolas geram, no seu conjunto, graves e inultrapassáveis situações de natureza contraditória e conflituante.
O poder de eleger, demitir ou reconduzir; o direito a votar a favor ou contra e o exercício da crítica têm de ser realizados de modo livre. Não podem existir condicionamentos — seja por receios de represálias, seja por defesa de interesses pessoais ou profissionais. Ora, a composição do conselho geral e o seu modo de funcionamento são favoráveis à ocorrência de situações que configuram esse tipo de condicionamento, e que, subjectivamente, podem colocar em causa a liberdade de cada um falar e agir segundo a sua consciência.
Vejamos. Nas reuniões do conselho geral, participa o director, ainda que não tenha direito a voto. O director está presente, intervém sempre que o deseja, apresenta propostas, e ouve o que os conselheiros dizem. Os conselheiros, pelas funções que a lei lhes determina, devem escrutinar o exercício dos vários órgãos da escola, nomeadamente a acção do director. Ora, esse escrutínio, para ser sério, não pode ser condicionado. Todavia, foram criadas, pela legislação, as condições para que esse exercício possa ser fortemente condicionado.
Na verdade, os funcionários e os professores que são membros do conselho geral se, por um lado, são membros de um órgão que, no organograma do regime de administração e gestão das escolas, ocupa o lugar cimeiro, por outro lado, têm, do ponto de vista administrativo, o director como seu superior hierárquico, a quem devem obediência funcional. Esta circunstância, só por si, é um potencial factor de constrangimento, em particular, no que diz respeito a funcionários auxiliares e administrativos. Quem se habituou, dia a dia, a receber e a cumprir ordens de serviço do director é natural que se sinta pouco confortável numa situação em que tem a obrigação de escrutinar, através da inquirição e da crítica, a acção daquele a quem diariamente obedece.
Para além disto, o director é também o responsável máximo pela avaliação do desempenho dos funcionários e dos professores. Avaliação do desempenho que tem consequências a nível da progressão na carreira e que pode também ter consequências a nível disciplinar.
Ambas as circunstâncias que envolvem o director (superior hierárquico e responsável pela avaliação) são demasiado ponderosas para que se possa garantir que não condicionam o comportamento daqueles que têm a obrigação, entre outras, de submeter a exame crítico a sua acção. Exame que pode conduzir à sua exoneração ou à sua não recondução.
Inversamente, também se abre campo a que, em período pré-eleitoral, o director seja tentado a ganhar votos, aliciando representantes de funcionários e de professores no conselho geral, através da atribuição de privilégios de variada ordem.
Estamos, pois, perante um terreno demasiado pantanoso onde tudo é possível. Confronte-se agora este processo com a eleição democrática e universal dos anteriores órgãos directivos e veja-se de que lado está a maior transparência.
Continua na próxima semana.