terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Retratos de Sócrates (12)

«O cinismo, quiçá tolerância em relação ao estado das coisas, aliado ao oportunismo e pragmatismo políticos, capazes de encontrar soluções à medida da crescente inacção de António Guterres — farto de aturar a mercearia do PS —, foram um fato à medida do então ministro do Ambiente. Tão ajustado e confortável que também nada disse ou fez para evitar que, em Setembro de 2001 — quase um ano depois do inquérito do IGAT (Inspecção Geral da Administração do Território) à Câmara de Felgueiras, que propunha a perda de mandato da presidente —, José Augusto Carvalho (secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território de José Sócrates) devolvesse o processo à procedência para os factos constantes das conclusões do inquérito serem "aferidos de forma clara". Nem mais nem menos. Assim, o caminho abriu-se, de par em par, como por magia, para a reeleição de Fátima Felgueiras, em 16 de Dezembro de 2001. Para que não subsistam quaisquer dúvidas, basta recordar o depoimento de Armando Vara em tribunal, que manifestou não estar arrependido de ter apoiado a recandidatura de Fátima Felgueiras. Isto é, dois anos depois do início das investigações ao "saco azul".
José Augusto Carvalho assumiu aquela responsabilidade por delegação de competências, como diria José Sócrates se alguém se atrevesse a insinuar alguma interferência na decisão. Pouco importa saber se o 'amigo' teve ou não influência na decisão que provocou um adiamento precioso. Mas será justo e legítimo pedir-lhe responsabilidades? É claro que sim, por várias razões. Desde logo por ser uma questão entre socialistas. Aliás, José Manuel Durão Barroso, líder do maior partido da Oposição, em Novembro de 2001, não perdeu a oportunidade para desafiar os socialistas a deslocarem-se a Felgueiras para fazer campanha pela candidata e autarca.
É preciso não esquecer que o próprio, em mais de um momento, foi avisado. Em declarações públicas, Horácio Costa (ex-vereador socialista da Câmara de Felgueiras. Denunciou o escândalo do 'saco azul' de Felgueiras) afirmou "nunca ter recebido resposta às cartas que enviou, em 2001, a António Guterres e aos ministros José Sócrates e Jorge Coelho, denunciando o 'saco azul' no PS local (...) e os contratos simulados entre o Município e a empresa 'Resin - Resíduos Sólidos, SA'". O ex-colaborador da autarca, responsabilizou por omissão, directamente, aqueles que podiam, mas nada fizeram, recordando que as cartas enviadas aos responsáveis socialistas se encontram apensas ao processo. Aliás, uma delas, entregue em mão a Luís Bernardo (assessor do gabinete do primeiro-ministro), acabou por nunca chegar às mãos do destinatário, alegadamente, por o seu colaborador a ter perdido. Assim mesmo. Há descuidos que acontecem.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 75-76.