«Pela primeira vez pensei que fizera mal em não ter aceitado a reconciliação pedida pelo meu ex-marido, teria sido possível que ele me tivesse aceitado de novo, é um conciliador, eu corto a direito, teria valido a pena amaciar o comportamento, ostentar uma tolerância que os tempos exigem, não a sinto, à tolerância, não me vem do coração, eduquei os meus dois filhos no rígido sentido do dever e da disciplina — esforçar-se, trabalhar arduamente, cumprir objectivos em prazos determinados, não esperar louvores nem triunfos, não aceitar falhas, desprezar os fracos e os preguiçosos, os fingidos, os contadores de anedotas, os que, como o meu ex-marido, trocam uma noite de leitura ou de estudo por uma jantarada na marisqueira ou um pé de dança na discoteca, não contar com auxílio alheio, menos com protecção, favores, complacências e benevolências, palmadinhas nas costas, toda a ajuda suspeita, antes presumir patifarias, armadilhas, hipocrisias, prever o pior para dar valor ao conseguido, reflectir antes de agir, escalonar as possibilidades de imprevisto segundo uma hierarquia de probabilidades, estabelecer um plano B, em casos difíceis um plano C, ter consciência das suficiências, combater os defeitos e, inevitável, enraizar na mente, como um lema evangélico, a convicção de que os bons vencem sempre, os sacrificados, os que não desistem de lutar, mesmo se momentaneamente derrotados.
Se tivesse amaciado o meu carácter inflexível, não estaria a jantar sozinha esta noite de Natal e poderia assumir o meu novo cargo de braço dado com um homem»
Se tivesse amaciado o meu carácter inflexível, não estaria a jantar sozinha esta noite de Natal e poderia assumir o meu novo cargo de braço dado com um homem»
Miguel Real, A Ministra, pp. 17-18.