«Há uma grande extensão de pomares. A terra parece desenhada rente ao deserto, como uma planície colorida onde o vento é sempre moderado e o calor espera pelos meses de Verão. E ela nunca os esquecera, aos pomares, o pai talvez os descrevesse como uma das maravilhas do seu exílio, quando saía de Argel e procurava um pedaço de terra fora do mundo. Talvez (como ela fazia) ele saísse da cidade e percorresse de carro o caminho até ao aeroporto, perdendo-se para lá dele, junto dos pomares. Ao longe, os prédios de Casablanca eram pequenas elevações brancas recortadas sobre o céu muito azul. No Verão, vista dos pomares, Casablanca estava quase sempre envolta na grande neblina do calor. E havia aquele fim de tarde quando a escuridão poisava de repente sobre todas as coisas. Junto ao mar, os caminhos para pedestres que ela percorria depois de passear pelo souk, de tomar chá ou apenas de se sentar numa esplanada ou de percorrer as lojas das ruas que iam dar ao velho bairro das mesquitas. O pai. A mãe. O pai: seria a parte doce do seu exílio, longe de Luanda, longe de Argel, longe de Lisboa, uma casa escondida em Casablanca, onde o sol do Verão arde e as tardes de Inverno são suaves, de tons pastel.»
Francisco José Viegas, O Mar em Casablanca, p. 216.