quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O ano de 2010 promete

Não tive oportunidade de ouvir a declaração da ministra da Educação, proferida ontem, à hora dos telejornais, isto é, não a ouvi dizer que não aceitaria acabar com as quotas, depois de mais uma ronda negocial com os sindicatos. É verdade que este anúncio, só por si, não tem nada de relevante, não traz nenhuma novidade. Este Governo, com o primeiro-ministro que tem e com a mentalidade que nele domina, a chamada mentalidade «Excel», que significa avaliar a realidade social e humana através de números, que significa acreditar que é preciso transformar tudo em linguagem numérica e que essa linguagem numérica traduz a realidade e exprime a verdade, este Governo, dizia eu, nunca poderia, por iniciativa própria, dizer ou anunciar outra coisa. Para este Governo, quotas significa, primeiro que tudo, «poupar» dinheiro, logo é muito bom; quotas também significa competitividade, logo é muito bom.
Este é o conhecido primarismo que orienta a acção do Governo, portanto, o anúncio da ministra não é interessante pelo seu conteúdo. Ele é interessante pelo modo e pelo momento em que é feito e pelo que isso revela ou confirma.
Há cerca de um mês que o Governo e os sindicatos dos professores andam em negociações, com encontros às quartas-feiras. Neste período de tempo, e desde que tomou posse, a ministra da Educação repetiu sucessivamente que estava convicta de que chegaria a acordo com os sindicatos. Ora, este optimismo ou era genuíno ou não era genuíno. Se era genuíno (e, nesta circunstância, já se compreenderia a tendência para o sorriso que Isabel Alçada a todo o momento manifestava), ele teria de significar que a ministra da Educação estava ciente das questões profissionais que, desde há três anos, os professores consideram fundamentais, e que, igualmente, estava ciente de que lhes poderia dar resposta favorável. Se não estava ciente disto, de onde lhe viria, então, a genuína convicção de que chegaria a acordo?
A outra hipótese é a de que o optimismo, recorrentemente evidenciado no rosto e nas palavras de Isabel Alçada, não era genuíno. Ou seja, não era para os professores que ela dirigia o seu optimismo, era para a opinião pública. A ministra da Educação estaria a dirigir-se à opinião pública para lhe transmitir esta mensagem: eu, como vêem, sou uma pessoa disponível, sorridente, bem-disposta e disposta a tudo para resolver os problemas dos professores. O Governo a que pertenço está empenhado em ultrapassar todas as dificuldades. Se chegarmos ao fim, e isso não for conseguido, a culpa não será minha nem do Governo, será dos sindicatos.
Como não gosto de fazer juízos de intenções, não vou dizer que esta foi a cínica estratégia da actual ministra.
Terei, pois, de considerar que o seu optimismo era genuíno. Mas para poder sustentar esta hipótese, terei de acrescentar algo mais, caso contrário, ela não tem credibilidade. Terei de acrescentar que, além de ser genuinamente optimista, Isabel Alçada é genuinamente inconsciente e genuinamente ingénua. Ingénua, porque, aparentemente, acreditava ter poder político decisório; inconsciente, porque revela não ter a exacta noção das suas responsabilidades: profere afirmações sem se assegurar de que tem condições de as concretizar. E só ontem, nesta hipótese benigna de optimismo genuíno, mas inconsciente e ingénuo, Isabel Alçada terá tomado consciência efectiva da sua inconsciência e da sua ingenuidade. Deste modo se compreende que tenha, inesperadamente, atrasado, em mais de uma hora, a reunião da tarde com a Fenprof , para receber instruções de quem tem efectivamente poder político, no Governo. Assim se compreende que tenha anunciado a esta federação abertura para rever a obrigatoriedade da prova de ingresso na carreira e não o tenha feito, de manhã, à FNE. Desta forma se compreende que, contrariando o seu, até aqui, cultivado low profile, tenha vindo anunciar, à hora dos telejornais, uma posição de força e de irredutibilidade negocial quanto à obrigatoriedade de quotas — isto já depois de ter marcado nova ronda negocial para a próxima semana.
Em conclusão, é indesmentível que, seja com uma Isabel Alçada genuinamente sorridente, seja com uma Isabel Alçada cinicamente sorridente, os professores não têm uma ministra da Educação a quem possam reconhecer credibilidade nem em quem possam depositar confiança. Para alguns, isto é o desfazer de uma esperança, para outros, é a confirmação de uma certeza. Para todos, deverá ser o sinal de que é preciso agir.
O ano de 2010 promete...