terça-feira, 11 de junho de 2013

O cinismo e a greve dos docentes

Vivemos um tempo terrível. Vivemos rodeados de gente que pensa e vê quadriculadamente e que só lê e escreve numericamente. O poder foi-lhes parar ao colo e, sem cultura política nem formação humanista, puseram-se a governar segundo as quatro operações básicas da aritmética. 
Para além disto, socorrem-se de uma poderosa arma: a hipocrisia política. Tem sido pungente ouvir os lamentos, os prantos e os gemidos dos membros do governo relativamente à incomodidade que a greve aos exames nacionais pode provocar nos alunos. 
Nós, professores, sabemos o que essa incomodidade significa. Não recebemos lições de ninguém nessa matéria, porque esses alunos não são entidades abstractas, não são números metidos em quadrículas, são crianças e jovens que conhecemos pessoalmente e com quem vivemos e convivemos todos os dias, são adolescentes com quem partilhamos angústias e alegrias, com quem desenvolvemos empatias e amizades, que muitas vezes perduram a vida inteira. Por isso, os professores não fazem greve por gosto nem para gerar incomodidades aos seus alunos. Fazem greve porque não têm outra alternativa. Fazem greve porque já ultrapassaram o limite do suportável e porque agora têm à sua frente o abismo. Depois de seis anos de espezinhamento socratista, Passos e Crato pretendem agora proletarizar por completo o trabalho docente e instalar a precariedade e o medo na vida dos professores. É por isto que os professores são obrigados a fazer greve. Uma greve que, para os professores, é mais do que uma incomodidade, pois cada hora e dia de greve é menos salário que têm — menos salário que se junta aos muitos outros menos salários que, há três anos consecutivos, mensalmente lhes são subtraídos.
Mas regresso aos lamentos, aos prantos e aos gemidos, que acima referi, dos membros do governo, a propósito da perturbação que esta greve dos professores pode causar. Na verdade, com este governo, a hipocrisia política parece não ter limites. Um governo cuja política é responsável, em dois anos, pelo despedimento de milhares de trabalhadores, pelo abaixamento brutal dos rendimentos de milhares de famílias, pelo corte a eito de pensões e vencimentos, pela supressão de subsídios; um governo que é responsável pela desnutrição de milhares de crianças e de idosos mostra-se preocupado com a perturbação que uma greve dos professores pode causar? Um governo que não se inibe de fazer alastrar a fome e a miséria, que revela uma absoluta insensibilidade social, uma total indiferença com o sofrimento que gera, preocupa-se com adiamento de uma ou mais provas de exame? O cinismo destes governantes não tem mesmo limites.
Afinal de contas: quem é este governo, quem são estes ministros, quem de entre eles tem autoridade para alardear moral sobre as decisões sindicais dos professores?