domingo, 9 de junho de 2013

Acerca da crise e da corrupção (1)

Excertos do livro, recém-editado, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, de Paulo Morais:
«Portugal vive hoje intoxicado por duas mentiras colossais.
A primeira é a ideia, repetida à exaustão, de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, compraram bens de consumo que não deviam e a que não tinham direito [...]. Diz-se ainda que tiveram este comportamento reiteradamente e de forma descontrolada ao longo de anos e anos. Esta seria a razão da nossa desgraça, o motivo do défice e da dívida. Nada mais falso. Um logro. Um embuste.
Quem viveu e esbanjou acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política portuguesa e seus apaniguados. Muitos foram e são os que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do Estado. A administração central e local enxameou-se de milhares de boys, criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantamas. Atrás deste regabofe veio uma epidemia fatal: a corrupção.
Os casos de corrupção sucederam-se ao longo das duas últimas décadas. A Expo 98 transformou uma área degradada, com terrenos contaminados e armazéns ao abandono, numa nova cidade, moderna e sofisticada. Na zona oriental de Lisboa construíram-se prédios de habitação, hotéis de todo o tipo de equipamentos. Permitiu-se a geração de mais-valias urbanísticas milionárias. Mas, afinal, inexplicavelmente, o projecto resultou num défice colossal. Ainda hoje se pagam os prejuízos e a Justiça não conseguiu condenar ninguém por este roubo incomensurável perpetrado ao erário público.
Um outro exemplo de corrupção de todos conhecido foi constituído pelo Euro 2004, um campeonato de futebol que levou ao desbaratar de recursos públicos, um pouco por todo o País, em estádios, acessibilidades, ruas, estradas e auto-estradas, mais-valias urbanísticas de milhões.
A corrupção instalou-se, surgiu o Apito Dourado, processo que envolvia promotores imobiliários, governantes, futebol, árbitros e prostitutas. No final do processo [...] ficaram apenas os pobres dos árbitros, acompanhados das prostitutas. E nem mesmo estes foram acusados.
Os casos desta corrupção reiterada que, ao longo das últimas décadas, nos empobreceu, são inúmeros. Foi a a nebulosa compra dos submarinos pelo Ministério da Defesa de Portugal, que envolveu pagamento de luvas, com corrupção provada e condenados, mas só na Alemanha. E foram os escândalos do Banco Português de Negócios [...] a que se junta o Banco Privado Português. Mas os exemplos não acabam. E nos últimos anos, os mais criminosos de todos os negócios públicos são os contratos de parcerias público privadas, nomeadamente as rodoviárias. Através deste modelo de negócio, garantem-se aos privados rentabilidades de capital superiores a 17%, haja ou não trânsito. O Estado (ou seja, nós) assume todos os riscos e cede todos os potenciais lucros.
A primeira de todas as PPP foi a Ponte Vasco da Gama, em Lisboa. Os privados financiaram à partida apenas um quarto do valor da ponte e, com isso, ganharam o direito às receitas com portagens da ponte Vasco da Gama, da "25 de Abril" e ainda o exclusivo das travessias rodoviárias sobre o Tejo por toda uma geração. O governante que concebeu este calamitoso negócio, Ferreira do Amaral, preside hoje à empresa concessionária, a Lusoponte. Os seus sucessores seguiram-lhe o triste exemplo. Jorge Coelho e Valente de Oliveira [...] são administradores na maior concessionária de PPP, a Mota-Engil.
Todos estes negócios e privilégios, concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo, tem responsáveis conhecidos. Que a Justiça portuguesa jamais pune.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.