sábado, 22 de junho de 2013

Acerca da crise e da corrupção (2)

Excertos do livro, recém-editado, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, de Paulo Morais:
«Não devemos, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas, sentimento que nos querem infligir através de mentiras continuadas. Devemos antes sentir raiva e exigir a eliminação dos privilégios que nos encaminham para a ruína.
Essa ideia de que os portugueses são uns irresponsáveis esbanjadores vem acompanhada de uma outra, a de que não haveria alternativa à política de austeridade que nos fustiga. A austeridade é-nos apresentada como um castigo justo, face a um alegado comportamento crónico de exagerados hábitos de consumo. Estas mentiras constituem um colossal embuste. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável. Não é culpando um povo pelos erros da sua classe política que se resolve a cride. Resolve-se combatendo as sua origens, o regabofe e a corrupção. [...]
A crise generalizada, a recessão da actividade económica do país, tem duas facetas: por um lado, a dívida pública; e, por outro, uma gigantesca dívida privada. Mas nem esta resulta maioritariamente da aquisição de bens de consumo, de férias, viagens ou equipamentos. No início da crise, em 2009, 70 por cento da dívida privada era imobilária. Apenas 15% era crédito ao consumo e resultaria de gastos eventualmente excessivos dos cidadãos. E os outros 15%, o que é mais dramático, representam o financiamento à agricultura, indústria e a toda a actividade económica. Uma economia com esta estrutura de crédito está condenada ao abismo. Os portugueses e os seus hábitos de consumo serão assim apenas responsáveis por 15% da composição privada da crse. E não são responsáveis, e muito menos culpados, pelo facto de a maioria do crédito ter andado a financiar especulação imobiliária.
Quanto à segunda componente da dívida, a dívida pública, é a corrupção que constitui a principal causa de sucessivos negócios ruinosos na administração pública, verdadeiros roubos que conduziram ao descalabro das contas públicas: não é o Serviço Nacional de Saúde, as pensões aos reformados ou a Educação. Nas últimas décadas, assistimos a uma festança sem limite com os dinheiros públicos, que foram canalizados, com a cumplicidade de muitos, para os grupos económicos que dominam a vida política nacional. A política transformou-se numa megacentral de negócios.
E de central de negócios passou agora para uma central de propaganda que nos vende esta ideia de que o estado a que chegámos é inevitável e inalterável.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise - Que Fazer?, Gradiva.