Recupero, com algumas adaptações, um texto que «postei» há quase três anos (29/9/2010) sobre os escritos de Sousa Tavares. Como aí refiro, há muito que deixei de prestar atenção a este jornalista — cada vez mais olho para o Tempo como o usurário olha para as suas moedas: acho que é sempre pouco e por isso tenho de o gastar selectivamente —, mas ele, Tavares, por beneficiar da sonoridade mediática que a mediocridade tem, insiste em pôr-se à frente dos professores. Fontes credíveis contaram-me que ele voltou a repetir mais umas quantas aleivosias, no jornal onde ainda escreve.
Como Tavares se está a tornar repetitivo, também volto a repetir um texto que, apesar de datado, mantém actualidade, dado que o seu alvo tem o pensamento mais ou menos mumificado.
1. O último livro que li de Tavares foi No Teu Deserto. Um livro pequeno, mas custoso de ler. Custoso porque são cento e poucas páginas de um contínuo, persistente e maçador desfiar de lugares-comuns. Quando o concluí, pensei: se eu tivesse escrito isto, não teria sido capaz de propor a sua publicação a ninguém. Guardava tudo e, na primeira oportunidade, papelão com aquilo. Mas Tavares foi capaz de propor a publicação e vendeu com sucesso. É verdade que o ter vendido com sucesso não revela particular mérito — qualquer rapariguita ou rapazola que tenha um arremedo de programa na televisão e que se julgue na conta de escritora ou escritor, alinhava duas ou três banalidades, manda publicar e vende com garantido sucesso. Por este lado, portanto, Tavares nada fez de especial. O que é especial é a coragem que Tavares revela. Só um homem corajoso seria capaz de sugerir a um editor que publicasse uma vulgaridade. Eu sabia que Tavares se considerava um homem corajoso, mas não imaginava que o fosse a este ponto.
Tudo isto para dizer o quê? Para dizer que Tavares continua, nos dias que correm, a ser um homem corajoso. Um homem destemido. É assim que ele se vê, é assim que ele gosta de se ver. E eu também o vejo assim.
Vou explicar porquê.
Comecei a vê-lo assim, como homem sem medo, há cerca de seis ou sete anos. Antes disso, lia com prazer e admiração as crónicas semanais que ele escrevia no Público. Nessa altura, não o via como o homem que transbordava a coragem que agora transborda. Via-o como um indivíduo lúcido, preocupado com a res publica, e que exercia de pleno direito e de modo fundamentado o escrutínio da nossa vida política.
Eu via isto, mas via mal.
2. A partir de certa altura, comecei a ver outras coisas.
Comecei a ver os desmentidos que alguns dos visados pelas suas críticas semanais lhe dirigiam. Comecei a ver as resposta que Tavares lhes dava. E comecei a ver que os desmentidos eram mais bem fundamentados que as críticas e as respostas de Tavares. Comecei a ver que Tavares algumas vezes falava de cor, falava sem ter tido o trabalho prévio de se informar com rigor sobre o que estava a falar. Depois, comecei a ver que Tavares falava muitas vezes de cor. Finalmente, vi que Tavares falava de cor vezes demais.
Deixei de o ler e de o ouvir (com a tal excepção da leitura de No Teu Deserto, de que rapidamente me arrependi). Por conseguinte, deixei de o ler no momento em que reconheci que estava perante um homem corajoso: só um homem corajoso conseguiria dizer, com tanto à-vontade, os dislates que ele diz. Só um homem corajoso é que poderia falar, falar, falar, apesar de ter consciência de que não sabe do que fala.
Há dias tive nova prova disso. Algumas pessoas amigas fizeram-me chegar a informação de que Tavares tinha falado no jornal da SIC, e que, novamente, com a coragem que não o abandona, tinha voltado a dizer barbaridades, falsidades e outras maldades acerca dos professores. Esses amigos acompanharam esta informação com alguns impropérios, dos quais revelo apenas o mais soft: «o gajo é um grandessíssimo mentiroso!»
Eu sabia que ele era corajoso, mas não o tinha em conta de mentiroso. Para me certificar, fui ao Youtube ver o que ele tinha dito na SIC.
3. Entre outras coisas, Tavares disse, e cito com religioso rigor: «[Com o segundo Governo de Sócrates], os professores passaram a ganhar todos mais automaticamente e vão ser todos classificados com Muito Bom e Óptimo.»
Agora, e pedindo desculpa aos meus amigos, tenho de dizer que Tavares não mente. Ele não é um mentiroso. Quem mente sabe o que diz e propositadamente falseia a realidade. Tavares não mente, porque Tavares não sabe o que diz, não sabe do que fala, não faz ideia do que está a dizer. Deve-lhe ser feita justiça: Tavares não é um mentiroso, é um corajoso. Não faz ideia do que está a falar, mas fala — sinal de coragem. Não sabe o que diz, mas diz — sinal de coragem. Sabe que não possui informação que confirme o que afirma, mas afirma — sinal de coragem. Não há uma única verdade no que profere, mas profere. Não é isto um homem corajoso? É. Ele é um homem de coragem, e é-o desmedidamente.
É de homens assim que o País está necessitado. De homens que dizem o que lhes vem à cabeça, sem lhes interessar saber se é verdadeiro ou falso. De homens que não perdem tempo com minudências. De homens que falam grosso e escrevem grosso. De homens que, mentalmente, usam cordão de ouro à volta do pescoço e que, mentalmente, andam de camisa aberta até ao umbigo. De homens que não sabem o que dizem, mas dizem-no com coragem.
De homens assim o País precisa. Em particular, se quiser andar bem informado.
De homens assim o País precisa. Em particular, se quiser andar bem informado.