terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Governo de Sócrates: sempre, sempre contra a Educação — ou mais uma proposta aberrante

Quem ainda mantinha ilusões sobre a possibilidade de surgir uma nova política para a Educação, protagonizada pela equipa de Isabel Alçada, certamente, já as perdeu em definitivo.
Os sorrisos da nova ministra e a sua simpatia pessoal não poderiam, em nenhuma circunstância, ultrapassar a realidade política. E a realidade política era e é esta: o actual Governo é uma mera continuidade do anterior, porque o seu núcleo duro é o mesmo e, fundamentalmente, porque o seu primeiro-ministro é o mesmo. A perda da maioria absoluta, só por si, não introduz alterações substantivas na política executada pelo Governo anterior. Só uma oposição unida e forte o pode conseguir. Não foi isso que aconteceu, porque o PSD (com a conivência de alguns sindicatos) decidiu faltar aos compromissos que tinha publicamente assumido e prestou-se ao vergonhoso papel de conluio com José Sócrates.
É este o contexto que permitiu e permite que, uma vez mais, o Ministério da Educação apresente aos sindicatos uma proposta de Acordo absolutamente inaceitável.
Alguns breves apontamentos (porque os argumentos já são mais do que conhecidos) sobre a proposta de Acordo:
1. Comparativamente com a situação deixada pelo Governo anterior, a proposta agora apresentada agrava o estrangulamento administrativo da carreira, ao introduzir um sistema de quotas mais restritivo do que o actual (passam a existir condicionamentos no acesso aos 3.º, 5.º e 7.º escalões);
2. A proposta mantém, sem a mínima fundamentação, ciclos de avaliação de 2 anos, quando deveriam ser ciclos correspondentes ao tempo de duração do escalão, de modo a permitir a realização de uma séria e profícua avaliação formativa;
3. Aspectos fundamentais relativos ao processo de avaliação ou são referidos genericamente ou são deixados para posterior definição ou são praticamente omissos. A saber:
a. A formação dos avaliadores: como vai ser realizada? quando vai ser realizada? é formação de curta, média ou longa duração? Diz-se que serão tidos em consideração os termos de referência que o Conselho Científico para a Avaliação dos Professores vier a apresentar. Ora este órgão, na sua Recomendação n.º 5 (curiosamente, quando já era presidido pelo actual secretário de Estado da Educação), disse, com toda a clareza, o seguinte: «O Conselho recomenda que os avaliadores beneficiem de uma formação especializada de carácter científico, técnico e profissional certificado, de média ou longa duração, em parceria com instituições de ensino superior.»
b. A avaliação formativa é tratada, de modo marginal, na última alínea do ponto 24, com fraseologia standart: «Compete ainda ao Relator manter uma interacção permanente com o avaliado, tendo em vista potenciar a dimensão formativa do processo de avaliação». Como é possível manter uma relação permanente com o avaliado se, conforme é estipulado no ponto 25, é atribuída ao Relator a redução de um tempo lectivo por cada três docentes em avaliação? Um tempo lectivo por cada três docentes?!! Uma proposta destas revela incompetência, irresponsabilidade e cinismo político. Para este ME, a avaliação formativa continua a ser um adereço para «inglês ver».
4. Para além do Relatório de Auto-avaliação e da observação de aulas (facultativa em algumas situações) é introduzida uma Ficha de avaliação global que «pondera todos os factores relevantes para a avaliação — funcionais, pedagógicos ou outros — e regista a atribuição da classificação final.» Quem preenche a ficha, o Relator? Segundo que critérios? A partir de que elementos? Quem define os critérios? Se não houver aulas observadas, avalia com base num porta-folhas? E é com base nesse porta-folhas que o Relator pode atribuir uma classificação de Muito Bom ou de Excelente (repare-se que a partir do 7º escalão já não está prevista a observação de aulas)? Que seriedade profissional e que fiabilidade avaliativa isto possui?
5. A alínea a) do ponto 24 diz: «O Relator tem de pertencer ao mesmo grupo de recrutamento do avaliado, não pode ter um posicionamento na carreira inferior ao deste [até aqui, tudo bem], e, sempre que possível, deverá ter grau académico igual ou superior ao do avaliado.» Sempre que possível?!! Admite-se que um doutorado possa ser avaliado por um licenciado? No ensino superior isso não é aceitável nem possível. Por que razão poderá ser aceitável e possível no ensino secundário?
6. Mas a aberração não termina aqui. Na alínea b) do mesmo ponto lê-se, mas não se acredita: «Quando se trate de avaliar o docente com posicionamento mais elevado na carreira, o Relator será o próprio Coordenador do Departamento, se este pertencer ao mesmo grupo de recrutamento ou, se não for esse o caso, será o docente do mesmo grupo de recrutamento com posicionamento na carreira mais próximo do do avaliado.» Isto é, na alínea a) proíbe-se, de modo expresso, que um professor possa ser avaliado por um colega com um posicionamento na carreira inferior; na alínea b) dá-se o dito por não dito e permite-se que, por exemplo, um professor no 9.º escalão possa ser avaliado por um colega no 4.º ou no 5º escalão!!

Os dislates continuam no texto da proposta, mas os apontamentos já vão demasiado longos.
Fico, pois, por aqui, a aguardar por quarta-feira...