Nuno Crato gostaria de ver associado o seu mandato, enquanto ministro da Educação, às ideias de «Rigor» e de «Seriedade» — dois termos que Crato utiliza recorrentemente no seu discurso. Todavia, o rigor e a seriedade têm um problema: só são alcançáveis com muito trabalho, com muito conhecimento e com uma grande capacidade de não ceder ao senso comum, de não ceder à opção mais fácil e de não ceder a pressões inaceitáveis.
Não podendo eu colocar em dúvida as capacidades de trabalho do ministro, já posso e devo colocar em dúvida o seu conhecimento da realidade do nosso sistema educativo e a sua capacidade de ceder ao senso comum, ao fácil e a pressões. Na verdade, só uma surpreendente ignorância e uma evidente incapacidade para impedir a interferência de critérios cegos de cortes financeiros na Educação é que explicam a monstruosidade realizada com a recente reforma curricular. Começando pelo fim, isto é, pela redefinição da carga horária a atribuir a cada disciplina dos diferentes currículos, e reduzindo a reforma apenas a isso, Crato fez da reforma curricular uma reforma de mercearia. As consequências deste acto irresponsável, que nem a um contabilista de vão de escada se poderiam perdoar, são múltiplas e graves. Muitas delas têm sido justa e profusamente denunciadas pelos professores, quer por iniciativas individuais quer por acções colectivas, por isso, vou limitar-me a recordar e a assinalar uma situação que deveria envergonhar qualquer ministro da Educação, mas mais ainda um ministro que se reclama do rigor e da seriedade.
Neste momento, o sistema educativo, por consequência da reforma curricular de Nuno Crato, permite o quase inenarrável cenário: uma mesma disciplina, com o mesmo programa, em certas escolas é leccionada quatro vezes por semana, em tempos de 45 minutos; em certas outras escolas é leccionada três vezes por semana, em tempos lectivos de 50 minutos; em outras certas escolas é leccionada três vezes por semana, em tempos lectivos de 45 minutos (alunos do ensino nocturno). Esta disciplina é obrigatória no ensino secundário regular e recorrente. Esta disciplina tem exame nacional no 11.º ano. Estes três cenários são reais e são legalmente permitidos.
Esta quase inenarrável situação tem a seguinte consequência: um aluno do primeiro cenário, no final do 1.º período, terá 2340 minutos de aulas; um aluno do segundo cenário terá 1950 minutos de aulas; e um aluno do terceiro cenário terá 1755 minutos de aulas. Quer isto dizer que num só período a diferença de aulas recebidas entre um aluno do primeiro e um aluno do terceiro cenários é de 13 aulas! No final do ano lectivo, a diferença ultrapassa as 30 aulas!
Repito, estes alunos têm de cumprir o mesmo programa curricular e, se forem a exame nacional, serão submetidos ao mesmo exame.
O nome da disciplina em causa é: Filosofia.
O nome do ministro que permite esta barbaridade é: Nuno Crato.