Brincar com o sofrimento dos outros ou mostrar-se indiferente ou arrogante com a dor alheia deveria merecer o desdém proporcional à vileza desse comportamento, e isso deveria bastar. Todavia, não basta. A repulsa tem de ser manifestada. Por duas razões: porque o comportamento, apesar de infame, está a generalizar-se de forma aberta ou dissimulada; e porque a impunidade política e cívica não pode prosseguir.
Quem está a ser objecto de um processo de miserabilização e alvo de políticas que desprezam a dignidade humana não tem certamente vocação e menos ainda obrigação de aturar torpes «bitaites» de quem faz da fanfarronice a sua expressão narcísica. Na verdade, os portugueses já suportaram para além do imaginável não só a incompetência das elites políticas, mas também a incompetência das elites financeiras, que foram co-responsáveis e coniventes com os desvarios do governo anterior. Na realidade, nós não temos de suportar fanfarronadas de um banqueiro desequilibrado, que aproveita o púlpito, incompreensivelmente oferecido por alguns, para expelir dislates que a sua má formação produz. Sem nutrir o mínimo de respeito pelo «outro» — «outro» que pode ser uma criança filha de pais que não têm dinheiro para a alimentar — o aleivoso considera-se no direito de sarcasticamente perguntar e sarcasticamente responder: «O país não aguenta mais austeridade? Ai aguenta, aguenta.»
Esta é a conduta representativa das qualidades das nossas elites: grosseiras e incompetentes, as bestas, não satisfeitas com o abismo para que conduziram o país, aproveitam a fragilização alheia para libertar traumas e recalcamentos que inconfessáveis frustrações originaram. As bestas estão à solta.