Canto III
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O medo, neste século, já não é um produto artesanal.
Os aviões bombardeiros
— ou, em tempo de paz, as falências imprevistas —
impressionam pela tecnologia posta em acção.
Hoje, passa-se fome de modo bem mais moderno
do que no século XVIII, por exemplo.
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No presente século passa-se fome frente
a certos alimentos caros, enquanto em séculos
anteriores passava-se fome diante de gastronomias
menos requintadas.
No fundo, há um conjunto de desgraçados
para os quais o fantástico desenvolvimento da culinária
não teve qualquer efeito prático.
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A vida é isto: a lua está mais próxima
de alguns homens que treinam para astronautas
que um prato quente da boca de outros homens.
É aquilo a que podemos chamar: distâncias
relativas. Por mim, não me queixo.
Estômago cheio, boas pernas, boa cabeça.
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E claro que a quantidade de chá depende da chávena,
ou seja, os problemas são acontecimentos
de estimação para cada der vivo
— ninguém passa sem eles.
Veja-se o problema do trânsito nas grandes cidades:
por vezes parece que não chegaremos a casa
antes de os americanos irem outra vez à lua.
Mas no fundo é isto:
cada um é escolhido pelas suas preocupações.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho.