Canto II
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Em Paris até o ar é luxuoso. Em dias de frio,
o nevoeiro francês parece descer até ao nariz dos habitantes,
mas sem nunca perder um certo ar petulante que por estas paragens
o oxigénio tem.
Bloom percebe que no cais há uma mulher,
de pálpebras mais nervosas, que o tenta seduzir.
E tal é mais agradável que uma tentativa de roubo.
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Cheira a metafísica por todo o lado,
há nevoeiro e carregadores disponíveis
para lhe levarem a mala.
E há ainda inúmeras possibilidades de se exercer nestas terras
o erotismo que se aprendeu noutras.
Bloom está contente.
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Estando em plena recaída lírica, Bloom, agradado
com a hospitalidade, com os cheiros, os sons e
as raparigas bonitas, pediu ainda algo mais: sentimentos.
Tal elaboração teórica não o impediu, no entanto,
de retribuir o olhar predador de uma tal parisiense
sem pudor mas com chapéu. Fora do nosso país,
pensou Bloom, as mulheres recebem-nos como se
salvassem um náufrago.
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As mulheres com chapéu sempre lhe haviam parecido
mais inteligentes.
O chapéu é, em parte, peça de vestuário 50% mental.
Certos chapéus em Paris são mesmo mais mentais
que certas cabeças noutras cidades.
Ah, Paris! Em mais nenhuma cidade se está
mais perto de Paris que em Paris. Daí a sua grandeza.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho