Provavelmente não há nada que já não tenha sido dito a favor ou contra a realização de exames nacionais. A polémica, contudo, mantém-se e o(s) problema(s) persiste(m): devem realizar-se exames nacionais? Devem realizar-se exames nacionais a todas as disciplinas e no final de cada ciclo de estudos? Que peso devem ter os exames nacionais na avaliação global do aluno?
O facto desta discussão não terminar revela a complexidade e a dificuldade do problema. Por isso é muito difícil compreender o atrevimento com que alguns arrumam o assunto: i) exames nacionais, pois claro, a todas as disciplinas, no final de cada ciclo de estudos, no ano terminal de todas as disciplinas e com peso determinante para a aprovação do aluno; ii) exames nunca, em nenhuma circunstância.
O primeiro fundamentalismo («exames já e em força!») abarrota o discurso encomiasta com os substantivos «rigor» e «excelência», como se o termo «exame» fosse sinónimo de algum deles ou como se a realização de exames fosse uma sua causa; o segundo fundamentalismo («exames nunca!»), vendo nas provas de exame a encarnação do mal, defende a sua abolição independentemente das circunstâncias de cada sistema educativo e de cada país.
Neste momento, vivemos sob o signo do fundamentalismo dos exames. Quem ouviu e leu o que Nuno Crato tem dito e escrito sabe da sua devoção por estas provas nacionais. O nosso ministro propala a ideia da superior fiabilidade dos exames, da sua objectividade, da sua capacidade de promover a justiça avaliativa, de promover o rigor e a excelência e até de ser o veículo ideal para avaliar os professores. Para Nuno Crato, os exames praticamente só não resolvem o problema do défice.
É sobre este primeiro fundamentalismo e sobre a imagem de superior credibilidade dos exames, que eu considero falsa, que começarei esta série de apontamentos e terminá-la-ei com algumas observações sobre o segundo fundamentalismo.
Parto da seguinte base largamente consensualizada: não existem instrumentos de avaliação perfeitos — todos os instrumentos de avaliação têm limitações e insuficiências. Não existem instrumentos de avaliação totalmente objectivos nem totalmente fiáveis. Sobre isto, parece que estamos todos de acordo. Mas este reconhecimento tem consequências. A primeira, que é por todos aceite, é a de que as provas de exame nacional são necessariamente um instrumento de avaliação com limitações e insuficiências. A segunda, que estranhamente é ignorada por alguns, é que as provas de exame nacional são o único instrumento de avaliação cujas limitações e insuficiências são inultrapassáveis e as suas consequências são irreversíveis, para o aluno.
Enquanto que a variedade de instrumentos de avaliação susceptível de utilização no decurso de um ano lectivo permite que as insuficiências e as limitações inerentes a cada instrumento de avaliação possam ser minimizadas, através da sua complementaridade, o exame nacional não tem essa possibilidade, se se apresentar como uma prova de peso determinante para a aprovação. Se se permitir que o exame nacional tenha, como vários defendem, uma ponderação decisiva na avaliação global do aluno, estamos a permitir que uma única prova, demonstradamente limitada e insuficiente, julgue e decida de forma irreversível.
Esta circunstância, só por si, deveria bastar para que existisse alguma cautela sempre que se fala em atribuir aos exames nacionais um peso determinante na avaliação.
Não se compreende que, sabendo-se as conclusões a que múltiplos estudos têm chegado e sabendo-se o que a experiência continuamente tem revelado, se procure passar para a opinião pública uma imagem de enorme credibilidade e excelsa fiabilidade dos exames nacionais. Essa imagem não é verdadeira.
No plano meramente teórico, os exames nacionais, pelas características de que inevitavelmente se revestem, são certamente dos instrumentos de avaliação mais limitados e pobres. Todos sabemos dos muitos e graves problemas que a realização de provas de exame nacional suscita. Da selecção e elaboração das perguntas à classificação das respostas, das questões pedagógicas às psicológicas, existe um enorme banco de dificuldades que até hoje a docimologia não resolveu. Fazer de conta que nada disto existe não é intelectualmente sério. Fazer o panegírico dos exames, não circunscrevendo a sua validade, não é propedêutico para a formação de uma verdadeira consciência social, que deve existir, sobre a importância (limitada) e o papel (limitado) dos exames nacionais.
(Continua na próxima semana)