sábado, 13 de março de 2010

Sobre o suicídio do professor vítima de violência

O colega Paulo Ambrósio enviou-nos o texto, escrito por si, e a notícia do Público que a seguir transcrevemos. Ambos os artigos são particularmente significativos.
O agradecimento ao Paulo Ambrósio.

«Convivi pessoalmente pelo menos durante 3 anos com o Luís (2004-2006), na Comissão de Professores Contratados do SPGL, da qual ele foi membro activo. O Luís era um amigo e camarada, homem bom, sensível, honesto e sonhador.

No passado dia 11 de Fevereiro estive presente no seu velório, onde falei com a mãe, o pai, a irmã e a empregada doméstica. O choque, a tristeza e revolta foram imensas. Casos como o do Luís têm de ser denunciados publicamente. A acção sindical tem de incluir urgentemente a violência escolar e as condições de trabalho na sua agenda imediata. Até para que a sua morte não tenha sido em vão.»
Paulo Ambrósio

Professor vítima de bullying preferiu morrer a voltar ao 9.º B




«Na véspera das aulas com aquela turma, Luís ficava nervoso. Isolava-se no quarto e desejava que o amanhã não chegasse. Não queria voltar a ouvir que era um "careca", um "gordo" ou um "cão". Não queria que o burburinho constante do 9.º B e as atitudes provocatórias de alguns alunos continuassem a fazê-lo sentir aquela angústia. O peso no peito. O sufocante nó na garganta. Luís não era um aluno. Tinha 51 anos e era professor de Música na Escola Básica 2.3 de Fitares, em Rio de Mouro, Sintra. Era. Na semana antes do Carnaval, decidiu que não voltaria a ser enxovalhado. Pegou no carro e parou na Ponte 25 de Abril. Na manhã do dia 9 de Fevereiro, atirou-se ao rio.
A direcção da escola foi várias vezes alertada para casos de indisciplina (Raquel Esperança)

Luís não avisou ninguém do acto radical. Mas radicalizou, segundo a família e os colegas, os apelos junto da direcção da escola para que resolvesse a indisciplina, em particular naquela turma. Fez várias participações que não terão tido seguimento. O PÚBLICO tentou ouvir a directora da escola, que justificou que só presta declarações mediante autorização da Direcção Regional de Educação de Lisboa. Fizemos o pedido e não recebemos resposta. Contudo, foi possível apurar que a Inspecção-Geral da Educação tem participações do alegado incumprimento da legislação sobre questões disciplinares por parte da direcção daquela escola.

Personalidade frágil
Na escola, impera o silêncio e os funcionários fazem um leve encolher de ombros. Alguns, sob anonimato, asseguram, tal como a família, que Luís era alvo de bullying e estava "profundamente desesperado e deprimido". A irmã de Luís, também professora, admite que o irmão era "uma pessoa complicada, frágil e reservada", mas assevera que era "um professor competente", cujos apelos "a escola ignorou". "Apenas lhe propuseram assistir a aulas de colegas para aprender a lidar com as provocações", diz.

A irmã descreve a profunda tristeza do professor nos últimos meses, ao longo dos quais "desabafou muito" com os pais, com quem ainda vivia. Nunca deu indícios do acto. Foram encontrados, depois da morte, no seu computador. "Se o meu destino é sofrer dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim - e não tendo eu outras fontes de rendimento -, a única solução apaziguadora será o suicídio." A frase encontrada não deixa dúvidas. Há vários desabafos escritos em alturas diferentes que convivem lado a lado com as participações sobre alguns alunos.

Luís somava à Música uma licenciatura em Sociologia e chegou a ser jornalista durante alguns anos. Era também cronista no Boletim Actual da Câmara de Oeiras, onde, no ano passado, dedicou algumas palavras aos problemas das escolas: "O clima de indisciplina nas escolas está a tornar-se insustentável. E ainda há quem culpe os professores, por falta de autoridade. Essas pessoas não fazem a mínima ideia do ambiente que se vive numa escola. Aconselho-as a verem o filme A Turma". No último boletim, o autarca Isaltino Morais dedicou-lhe um texto onde recorda a "perspicácia e apurado sentido crítico" de Luís.

Os alunos dividem-se sobre o professor, mas concordam que "era muito calado" e que "não convivia muito nem com alunos nem com professores". Uns recordam com saudade as aulas onde puderam tocar instrumentos e ver filmes relacionados com música e dança. Outros insistem que "ele era estranho" e que "não impunha respeito". Mas não negam que eram "mal comportados". "Portava-me sempre mal, mas não era por ser ele. Somos assim em todas as aulas, é da idade", reconheceu um dos alunos que tiveram mais participações por indisciplina.

Outra aluna, a única que, no fim das aulas, ficava para trás para conhecer melhor o silêncio de Luís, lamenta a partida "prematura" e arrepende-se de não ter ficado mais tempo a conversar com ele. "Tive medo do que as pessoas podiam dizer se me aproximasse. Sinto-me muito mal por não ter ajudado mais. Uma vez arrancámos-lhe um sorriso. Quando sorria era outra pessoa."»
Romana Borja-Santos, Público (12/3/10)