«Às seis e meia da manhã a campainha tocou e Rosa deu um salto. Vêm-me buscar, disse, e, perante a sua imobilidade, Amalfitano teve de se levantar e perguntar pelo intercomunicador quem era. Ouviu uma voz muito frágil que lhe dizia sou eu. Quem é?, perguntou Amalfitano. Abre, sou eu, disse a voz. Quem?, perguntou Amalfitano. A voz, sem abandonar o seu tom de fragilidade absoluta, pareceu aborrecer-se com o interrogatório. Eu eu eu eu, repetiu. Amalfitano fechou os olhos e abriu a porta do edifício. Ouviu o som de roldanas do elevador e voltou para a cozinha. Lola continuava sentada, sorvendo as últimas gotas de café. Creio que é para ti, disse Amalfitano. Lola não mostrou qualquer sinal de o ter ouvido. Vais despedir-te da menina?, perguntou Amalfitano. Lola levantou o olhar e respondeu-lhe que era melhor não a acordar. Ela tinha os olhos azuis rodeados por umas olheiras profundas. Depois, a campainha da casa tocou duas vezes e Amalfitano foi abrir. Uma mulher muito pequena, que não tinha mais de um metro e meio de altura, passou junto dele depois de olhar para ele brevemente e murmurar um cumprimento ininteligível, e dirigiu-se directamente para a cozinha, como se conhecesse os costumes de Lola melhor que Amalfitano. Quando Amalfitano voltou à cozinha, reparou na mochila da mulher, que esta deixara no chão ao pé do frigorífico, mais pequena que a de Lola, quase uma mochila em miniatura. A mulher chamava-se Immaculada, mas Lola chamava-lhe Imma. Algumas vezes, ao voltar do trabalho, Amalfitano encontrara-a em casa, e a mulher tinha-lhe dito na altura o nome dela e a forma como a devia chamar. Imma era o diminutivo de Immaculada, em catalão, mas a amiga de Lola não era catalã nem se chamava Immaculada, com dois emes, mas sim Inmaculada, e Amalfitano, por uma questão de fonética, preferia chamar-lhe Inma, embora fosse repreendido pela sua mulher de cada vez que o fazia, até que decidiu não a chamar de maneira nenhuma. Da porta da cozinha observou-as. Sentia-se muito mais calmo do que imaginara. Lola e a amiga tinham o olhar cravado na mesa de fórmica, embora não passasse despercebido a Amalfitano que de vez em quando as duas levantavam os olhos e cruzavam olhares de uma intensidade que ele desconhecia. Lola perguntou se alguém queria mais café. Está a dirigir-se a mim, pensou Amalfitano. Inmaculada moveu a cabeça de um lado para o outro e a seguir disse que já não tinham tempo, que o melhor seria porem-se a andar pois dentro de pouco os caminhos de saída de Barcelona estariam bloqueados. Fala como se Barcelona fosse uma cidade medieval, pensou Amalfitano. Lola e a amiga puseram-se de pé. Amalfitano deu dois passo e abriu a porta do frigorífico para tirar uma cerveja impelido por uma sede repentina. Antes de fazê-lo teve de afastar a mochila de Imma. Pesa como se dentro dela só houvesse duas blusas e outras calças pretas. Parece um feto, foi o que Amalfitano pensou, e deixou cair a mochila para o lado. Depois Lola beijou-o na face e ela e a amiga foram-se embora.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 197-199.