sexta-feira, 12 de março de 2010

Fragmenti veneris diei

«A cidade, como todas as cidades, era inesgotável. Se uma pessoa continuasse a avançar, por exemplo, para leste, chegava a um momento em que os bairros da classe média acabavam e apareciam, como reflexo do que acontecia a oeste, os bairros miseráveis, que aqui se confundiam com uma orografia mais acidentada: morros, depressões, ruínas de antigos ranchos, leitos de rios secos que contribuíam para evitar a aglomeração. Na parte norte viram uma cerca que separava os Estados Unidos do México e para lá da cerca contemplaram, desta vez saindo do carro, o deserto do Arizona. Na parte oeste deram a volta por dois parques industriais que por sua vez iam sendo rodeados por bairros de barracas.
Tiveram a certeza de que a cidade crescia a cada segundo. Viram, nos extremos de Santa Teresa, bandos de urubus negros, vigilantes, caminhando por campos ermos, pássaros a que aqui chamavam gallinazos, e também zopilotes e que não eram mais do que urubus pequenos e necrófagos. Onde havia urubus, comentaram, não havia outros pássaros. Beberam tequilla e cervejas, comeram tacos no terraço panorâmico de um motel na estrada de Santa Teresa para Caborca. O céu, ao entardecer, parecia uma flor carnívora.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 158-159.