terça-feira, 13 de março de 2012

Nacos

«A primeira visita foi a uma nova máquina debulhadora de cereais que Mr. Godefroy comprara no ano anterior. Fustigados pela chuva miudinha, ficámos a ver o monstro a trabalhar, e não havia falta de vizinhos e trabalhadores para explicar, uma e outra vez, as maravilhas do mecanismo. A única voz discordante, e a mais complexa e eloquente, era a de Amelia Godefroy, que forneceu um exemplo perfeito dessa veemência, dessa surpreendente melancolia, dessa nostalgia inesperada a que os Americanos são tão vulneráveis. Embora o seu passado seja tão breve, estão conscientes de um mundo ideal, de uma natureza perfeita que desaparece perante os olhos, sentimentos que seriam mais de esperar numa sociedade aristocrática do que numa sociedade democrática.
Assim, Miss Godefroy, a propósito da debulhadora de cereais, com os braços cruzados sob a capa de oleado, com a chuva a correr pelas faces encantadoras, declarou:
— Antes desta encantadora invenção que tanto entusiasma o meu querido pai, o trigo era transportado para o celeiro quando fazia bom tempo, e depois, durante o Inverno, os jovens iam de quinta em quinta ao entardecer e faziam da debulha uma festa. A pessoa que descamisasse uma maçaroca vermelha tinha direito a beijar o namorado ou a namorada. Era uma maneira de tornar o trabalho agradável. Foi substituída por aquilo que estão a ver: este trabalhador solitário a debulhar o trigo num campo frio em Dezembro.
A maçaroca vermelha. Como poderia eu não a amar?»
Peter Carey, Parrot e Olivier na América, Gradiva.