No passado sábado, fui ao ex-Casino da Trafaria assistir ao espectáculo Origens — uma dramaturgia de textos poéticos de quatro autores (todos professores de filosofia), que uma criação colectiva conseguiu transformar num belíssimo espectáculo de teatro de arena.
Confesso a minha surpresa e o meu deslumbramento pela qualidade do trabalho realizado pelo Grupo de Iniciação Teatral da Trafaria, constituído exclusivamente por amadores. O desafio era arriscado: descobrir unidade em textos avulsos, «iluminar os versos» através da dramaturgia e fazê-lo de modo original, sem hermetismos nem artificialismos. Foi um prazer assistir às performances dos seis actores (que na realidade são sete, porque, enquanto o espectáculo decorre, há um pintor em cena que pinta o que a palavra dos actores e a música lhe suscitam — em cada actuação é produzida uma obra diferente e éfemera, pois é destruída no fim da cada espectáculo). O trabalho vocal e corporal dos actores é muito cuidado e a expressividade das emoções, que o sentido das palavras incorpora, tem momentos particularmente felizes.
Origens é um percurso que se inicia no suposto caos original e chega até aos nossos dias, em que o caos já é outro: o do consumo. Interrogativo, reflexivo, irónico e com humor subtil este longo caminho é percorrido num abrir e fechar de olhos, só possível pela conjugação da qualidade dos textos e da qualidade da representação. O espaço cénico, em forma de campânula ou de ovo primitivo, que acolhe e aproxima público e actores, possibilita uma fecunda envolvência entre ambos.
Resumindo, eu deveria dizer: é um espectáculo a ver. Mas não posso, porque ontem foi a sua última apresentação, porque não há condições para continuar nem convites para visitar outros palcos. E um trabalho de qualidade vai ser perdido e esquecido. Mas nós somos assim: quase todos os dias deitamos fora o que tem valor e qualidade e preferimos coleccionar e atolharmo-nos de mediocridade. Do que nós gostamos mesmo é de telenovela, muita; de talk shows, muitos; de cuscuvilhice na tv, muitíssima; ou então, do outro lado, do lado do mundo das elites políticas, financeiras e empresariais, o que é mesmo apreciado é muito ranking, muita competitividade, muita pompa, muita cerimónia, muito aparato repleto de vazio. Há tempos, dei também aqui testemunho de um outro desgraçado exemplo de como, em Portugal, se despreza o que é bom: refiro-me ao último trabalho musical do grupo Toque de Caixa, o cd Cruzes Canhoto. Mais um caso vergonhoso de como a excelência é derrotada pela pimbalhada. E os exemplos poderiam ser muitos.
Somos um país que, para além de endividado, está embrutecido.
Resumindo, eu deveria dizer: é um espectáculo a ver. Mas não posso, porque ontem foi a sua última apresentação, porque não há condições para continuar nem convites para visitar outros palcos. E um trabalho de qualidade vai ser perdido e esquecido. Mas nós somos assim: quase todos os dias deitamos fora o que tem valor e qualidade e preferimos coleccionar e atolharmo-nos de mediocridade. Do que nós gostamos mesmo é de telenovela, muita; de talk shows, muitos; de cuscuvilhice na tv, muitíssima; ou então, do outro lado, do lado do mundo das elites políticas, financeiras e empresariais, o que é mesmo apreciado é muito ranking, muita competitividade, muita pompa, muita cerimónia, muito aparato repleto de vazio. Há tempos, dei também aqui testemunho de um outro desgraçado exemplo de como, em Portugal, se despreza o que é bom: refiro-me ao último trabalho musical do grupo Toque de Caixa, o cd Cruzes Canhoto. Mais um caso vergonhoso de como a excelência é derrotada pela pimbalhada. E os exemplos poderiam ser muitos.
Somos um país que, para além de endividado, está embrutecido.