Nos últimos dias, surgiram, no espaço público, algumas vozes rebeladas contra uma alegada perseguição que estará a ser realizada ao anterior primeiro-ministro Sócrates. O argumento que sustenta a rebelião é antigo, é próprio de uma certa direita e de uma certa esquerda, é adequado a uma certa mentalidade portuguesa e é o seguinte: «O que lá vai, lá vai. O indivíduo já foi castigado eleitoralmente. Portanto, deixem-no sossegado.» Recentemente foi introduzido mais um elemento argumentativo: «Dizer mal ou agir contra Sócrates é um acto de vingança. A vingança é um sentimento reprovável. Logo, não se deve dizer mal ou agir contra Sócrates.»
O primeiro argumento parte da pressuposição de que existe uma absoluta impermeabilidade entre aquilo que é de natureza Política e aquilo que é de natureza específica da Justiça. Não vislumbro essa impermeabilidade, não só porque não sendo a Justiça causa de si própria, necessita da filosofia e da política para se fundamentar, mas também porque os actos políticos podem e devem ser criminalizados ou penalizados, desde que, obviamente, violem leis da República. Mesmo analisando o problema do ponto de vista estritamente político, também não encontro razões para que uma derrota eleitoral tenha de marcar o fim da crítica à actuação de um político. Se a sua actuação foi gravemente lesiva dos interesses dos cidadãos de um país — como foi, na minha opinião, o caso de Sócrates —, quem assim o considere não só tem o direito como tem o dever de exercer essa crítica, até quando o considerar pertinente fazê-lo.
Por outro lado, se as (vamos chamar-lhes assim) trapalhadas pessoais e políticas de Sócrates continuam a mexer, a culpa não é certamente dos tribunais, da polícia ou dos jornalistas. Parece ser mais razoável presumir que a responsabilidade está do lado de quem originou as trapalhadas (vamos benignamente chamar-lhes assim) e não de quem as investiga.
Vejo, aliás, com bons olhos a ruptura com a tradição de passar uma esponja sobre os actos dos políticos que, supostamente, deixaram de estar no activo. É tempo dos políticos saberem que a responsabilidade dos seus actos não termina no dia da derrota eleitoral.
Se isso acontecer em relação a Sócrates e aos seus sucessores, estaremos com certeza a dar um valoroso contributo para a elevação do exercício da cidadania e da própria acção política.
Vejo, aliás, com bons olhos a ruptura com a tradição de passar uma esponja sobre os actos dos políticos que, supostamente, deixaram de estar no activo. É tempo dos políticos saberem que a responsabilidade dos seus actos não termina no dia da derrota eleitoral.
Se isso acontecer em relação a Sócrates e aos seus sucessores, estaremos com certeza a dar um valoroso contributo para a elevação do exercício da cidadania e da própria acção política.