Cavaco Silva disse de Sócrates o que todos sabíamos e sabemos: que Sócrates é politicamente desonesto e institucionalmente desleal. Não constitui novidade. Sócrates foi certamente o português que mais degradou o exercício da política, desde o 25 de Abril. Não tenho memória de nenhum político anterior a ele que tenha feito tanto mal ao país e que tanto tenha contribuído para a descredibilização da vida pública. Descredibilizou tudo o que havia para descredibilizar: descredibilizou a democracia, descredibilizou a esquerda, descredibilizou a acção governativa, descredibilizou a palavra compromisso, a palavra responsabilidade, a palavra lealdade. Foi patologicamente arrogante, foi recorrentemente grosseiro e foi incompetente em quase tudo o que fez. Esta é a realidade e convém lembrá-la enquanto a personagem alimentar ilusões quanto a eventuais regressos.
Cavaco Silva foi criticado por ter vindo agora, e no estatuto de Presidente da República, recordar as deslealdades institucionais do ex-primeiro-ministro. Acusam Cavaco de não ter agido segundo o interesse nacional, mas apenas movido por sentimentos mesquinhos de vingança pessoal. Não tenho nenhuma dúvida de que isso é verdade. Todavia, o que importa saber é se este modo de actuar de Cavaco Silva constitui uma novidade. Não compreendo a surpresa, ele sempre procedeu assim. Desde 1980, quando exerceu as funções de ministro das Finanças, no governo de Sá Carneiro, que Cavaco Silva agiu e age pondo sempre em primeiro lugar os seus interesses pessoais. Não seria de esperar que agora mudasse.
Uma das causas dos nossos males é precisamente esta: a nossa elite política é medíocre. É constituída por uma maioria de actores que nunca estiveram nem estão à altura das responsabilidades que assumem, e para as quais livremente se candidatam.
A ruptura com a elite política que nos tem governado é uma condição de possibilidade de Portugal ainda poder vir a ser um país diferente.