sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fragmenti veneris diei

«Durante um grande bocado, Fate esteve com as luzes apagadas, olhando pelos vidros da janela para o pátio de gravilha e para as luzes incessantes dos camiões que passavam na estrada. Pensou em Chucho Flores em Charly Cruz. Voltou a ver a sombra da casa de Charly Cruz projectada sobre o terreno ermo. Ouviu o riso de Chucho Flores e viu Rosa Méndez deitada na cama de um quarto despido e estreito como a cela de um monge. Pensou em Corona, no olhar de Corona, na forma como Corona o olhou. Pensou no tipo bigodudo que se juntara a eles no último momento e que não falava, e depois recordou a sua voz, quando eles estavam a fugir, aguda como a de um pássaro. Quando se cansou de estar de pé aproximou uma cadeira da janela e continuou a olhar. Às vezes pensava na casa da mãe e recordava pátios de cimento onde as crianças gritavam e brincavam. Se fechava os olhos conseguia ver um vestido branco que o vento das ruas de Harlem levantava enquanto os risos, imparáveis, se espalhavam pelas paredes, corriam pelos passeios, frescos e mornos como o vestido branco. Sentiu que o sono se metia pelas suas orelhas ou subia do peito. Mas não queria fechar os olhos e preferia continuar a perscrutar o pátio, os dois candeeiros que iluminavam a fachada do motel, as sombras que os flaches de luz dos carros abriam, semelhantes a caudas de cometas, nos arredores escuros.
Às vezes virava a cabeça e contemplava brevemente Rosa a dormir. Mas à terceira ou quarta vez compreendeu que não precisava de se voltar. Simplesmente, já não era necessário. Durante um segundo pensou que nunca mais ia sentir sono. De repente, quando ele seguia o rasto dos faróis traseiros de dois camiões que pareciam ir metidos numa corrida, tocou o telefone. Quando atendeu ouviu a voz do recepcionista e soube logo que era daquilo que tinha estado à espera.
— Senhor Fate — disse o recepcionista —, acabam de me telefonar perguntando-me se o senhor estava aqui alojado.
Perguntou-lhe quem é que lhe telefonara.
— Um polícia, senhor Fate — disse o recepcionista.
— Um polícia? Um polícia mexicano?
— Acabo de falar com ele. Queria saber se o senhor era nosso hóspede.
— E tu o que é que lhe disseste? — perguntou Fate.
— A verdade, que o senhor tinha estado aqui, mas que já se fora embora — disse o recepcionista.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 395-396.