«O que é para mim o sagrado?, pensou Fate. A dor imprecisa que sinto perante o desaparecimento da minha mãe? O conhecimento do que não tem remédio? Ou esta espécie de cãibra no estômago que sinto quando olho para esta mulher? E por que razão sinto uma cãibra, chamemos-lhe assim, quando ela olha para mim e não quando a sua amiga olha para mim? Porque a sua amiga é notoriamente menos bela, pensou Fate. Do que se deduz que para mim o sagrado é a beleza, uma mulher bela, jovem e de traços perfeitos. E se, de repente, no meio deste restaurante tão grande como pernicioso, aparecesse a actriz mais bonita de Hollywood, continuaria a sentir cãibras no estômago de cada vez que, sub-repticiamente, os meus olhos se encontrassem com os dela, ou, pelo contrário, a aparição repentina de uma beleza superior, de uma beleza ornada pelo reconhecimento, mitigaria a cãibra, diminuiria a sua beleza até uma dimensão real, a de uma rapariga um tanto estranha que sai uma noite de fim-de-semana para se divertir com três amigos um tanto ou quanto singulares e uma amiga que parece mais ser uma puta? E quem sou eu para pensar que Rosita Méndez parece uma puta?, pensou Fate. Conheço, porventura, alguma coisa acerca das putas mexicanas para as reconhecer numa primeira troca de olhares? Conheço alguma coisa sobre a inocência ou sobre a dor? Conheço alguma coisa sobre as mulheres? Gosto de ver vídeos, pensou Fate. Também gosto de ir ao cinema. Gosto de ir para a cama com mulheres. Não tenho neste momento uma companhia estável, mas não desconheço o que significa tê-la. Vejo o sagrado nalgum lado? Só tenho percepção de experiências práticas, pensou Fate. Um vazio que é preciso encher, fome que tenho de aplacar, gente a quem tenho de falar para poder terminar o meu artigo e receber dinheiro por isso. E porque é que penso que os que acompanham Rosa Amalfitano são três tipos singulares? O que é que têm de singular? E porque é que tenho tanta certeza de que se aparecesse de repente uma actriz de Hollywood a beleza de Rosa Amalfitano ficaria mortiça? E se não fosse assim? E se se acelerasse? E se tudo começasse a acelerar-se a partir do instante em que uma actriz de Hollywood transpusesse o umbral de El Rey del Taco?»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 367-368.