sexta-feira, 10 de abril de 2009

Uma licenciatura manhosa

É conhecido que José Sócrates apresentou uma queixa-crime contra o jornalista João Miguel Tavares, por uma crónica que ele escreveu no Diário de Notícias. O conteúdo dessa crónica - que, por acaso, eu postei neste blogue, no passado dia 4 de Março, e que, na altura, subscrevi e volto, hoje, a subscrever - foi considerado, pelo primeiro-ministro, como merecedor de uma queixa-crime porque continha, entre outras, a seguinte expressão: «licenciatura manhosa».

Ora vamos lá ver: afirmar que José Sócrates tirou uma licenciatura manhosa é crime? Sinceramente, não vejo porquê. Acho até que é uma classificação soft. Atentemos no significado do termo manhoso (a): «que tem manha»; manha: «qualidade ou defeito de alguma coisa que dificulta a compreensão, uso ou manejo» (conf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado; e Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, coordenação de João Malaca Casteleiro). É evidente que o termo manhoso (a) tem outros significados, mas aplicados a pessoas, não a coisas; ora uma licenciatura é uma coisa (por mais manhosa que seja), não é uma pessoa, logo, é aquele o significado que tem e não outro (eventualmente mais manhoso...).
Então, é crime considerar que a licenciatura de José Sócrates é manhosa? Isto é, que é uma licenciatura que tem a «qualidade ou defeito de alguma coisa que dificulta a compreensão, uso ou manejo»? Dizer isto é crime? Não é um dado objectivo que a licenciatura de José Sócrates é mesmo manhosa? Aliás, mais que manhosa, manhosíssima? Se não fosse manhosa, ou seja, se não tivesse a «qualidade ou defeito de alguma coisa que dificulta a compreensão, uso ou manejo», ela teria sido objecto de tanta notícia, de tanto comentário, de tanta investigação, de tanta explicação - até pelo próprio José Sócrates, que emitiu comunicados e foi à televisão desfazer-se em explicações sobre a sua licenciatura? Se a sua licenciatura não fosse algo que dificultasse a compreensão, isto é, se fosse transparente, se fosse normalzinha como qualquer outra licenciatura, seria possível existir tanta polémica, seria necessária tanta explicação, alguém se interessaria por uma coisa absolutamente banal e de básica compreensão? Claro que não.
Por exemplo, alguém comentou a licenciatura de Cavaco Silva, ou a de Jorge Sampaio, ou a de António Guterres? Ou a minha, já agora? Investiguem lá as nossas licenciaturas, a ver se dão a polémica que deu a licenciatura de José Sócrates. Oh dão! E porque que é que não dão? Porque as nossas não são manhosas, porque as nossas não têm a «qualidade ou defeito de alguma coisa que dificulta a compreensão, uso ou manejo». São limpinhas, não têm a qualidade de dificultar a compreensão. A licenciatura de José Sócrates tem essa qualidade, dificulta a sua compreensão. E agora? É o jornalista João Miguel Tavares que tem culpa disso? É ele que vai pagar pela licenciatura de José Sócrates ter a tal qualidade de dificultar a sua compreensão?
João Miguel Tavares, eu sei que não serve de nada, mas, olhe, volto a escrever o que escrevi no dia 4 de Março, quando postei o seu artigo neste blogue: assino por baixo, palavra a palavra, toda a sua crónica. E se precisar de uma testemunha abonatória, diga, estou à sua inteira disposição. Temos de ser uns para os outros, anda por aí cada... nhoso...!