Para justificar a imposição de quotas para as classificações de «Excelente» e de «Muito Bom», o governo repete, à saciedade, o argumento - importado do mundo empresarial; mais um, é a grande moda – de que, sem essas quotas, todos, ou quase todos, os professores acabariam por ser classificados de «Excelentes» e de «Muito Bons». E, desse modo, só com a existência de quotas é que se assegura que só mesmo os ««excelentes» sejam avaliados como tal e os «muito bons» também.
Ontem, Jorge Pedreira, secretário de Estado da Educação, sentiu necessidade de o reafirmar: «Em qualquer grupo [profissional], se todos puderem ser excelentes o que está errado é a própria definição de excelência».
Vejamos.
1. Poderíamos começar por analisar o termo «excelência», e ver se ele nos remete, necessariamente, para algo de restrito, isto é, se «excelente» (= magnífico, óptimo, brilhante, notável) deve ser entendido como sinónimo de «excepcional» (= raro, único). Como se sabe, não são palavras sinónimas, ainda que possam ser usadas como sinónimas, mas não o são, necessariamente. Contudo, é assim que a ministra da Educação e a sua equipa as usam, quando lhes convém, ou seja, usam o termo «excelente» no sentido de «raro», «único» – e só assim se poderá, eventualmente, compreender que digam o que dizem. Mas, se assim é, deveriam tê-lo assumido desde o início, e a classificação máxima da avaliação de desempenho dos professores ter-se-ia denominado de «Excepcional» e não de «Excelente». Ao contrário do que possa parecer, isto não é uma «questão de lana-caprina», porque tem implicações decisivas.
2. Peguemos num exemplo: temos duas equipas de futebol ou de râguebi ou de investigação científica ou do que se quiser e apliquemos-lhes os qualificativos «excelente» e «excepcional».
Equipa X – Constituída, na sua totalidade, pelos melhores atletas ou cientistas do mundo. Significa, portanto, que eles são todos «excelentes», mas, na equipa, nenhum pode ser considerado «excepcional», exactamente, porque sendo todos «excelentes» nenhum é «raro», nenhum é «único».
Equipa Y – Constituída por atletas ou cientistas em que só um é «excepcional». Exactamente, porque para um ser «excepcional» os outros têm de ser considerados inferiores a esse «excepcional», se fossem equiparáveis, já aquele não seria, como é óbvio, «excepcional». Esse «excepcional» poderá, eventualmente, ser «excelente», mas não é, pela definição de «excepcional», obrigatório que o seja.
Pergunta: Qual das duas equipas escolheríamos como nossa, a X ou a Y? Escolheria alguém a Y?! A X dá-nos a garantia de que todos são «excelentes», a Y só nos garante que um dos seus membros é «excepcional», nada mais. Nem sequer nos garante que esse «excepcional» seja «excelente». Naquela equipa, ele é «excepcional» porque, comparativamente com os outros, é «único», mas nada impede que seja inferior a «excelentes» de qualquer outra equipa.
Se estas equipas estivessem sujeitas a quotas, a equipa X não poderia existir. Se apenas pudesse ter 10% de «excelentes», teriam que ser despedidos 90% dos atletas ou dos cientistas ou do que quer que fossem.
A equipa Y, não precisaria de ser mexida, a quota de 10% estava assegurada. Mas tínhamos uma equipa que, provavelmente, andava a lutar para não descer de divisão ou cujos cientistas nunca tinham conseguido escrever, nem sequer uma nota de rodapé, na Nature.
Se quisermos transformar as equipas X e Y em escolas X e Y, ficamos a saber que modelo de instituição escolar o ministério da Educação acabaria por produzir, seguindo a lógica do «excelente» como sinónimo de «excepcional».
3. O «excepcional» não vale por si mesmo, vale apenas comparativamente. O «excepcional» não nos remete para nenhum dimensão objectiva nem substantiva. O «excepcional», ontologicamente, não existe. Um medíocre, por exemplo, é «excepcional» se estiver no meio de maus.
O «excelente», pelo contrário, representa uma realidade objectiva, objectiva no sentido de ser previamente definida pela enunciação de um conjunto convencionado de caracteres que a constituem. Através de critérios, também previamente definidos, é possível avaliar se alguém atinge ou não atinge essa realidade. Ora a parafernália de itens avaliativos que o ministério definiu (mal, pessimamente, como sabemos, mas para o caso não interessa) pressupõe isso mesmo: a existência de uma realidade substantiva à qual se acede ou não se acede segundo uma avaliação realizada com critérios que o ministério definiu.
Ora, isto mostra como o Ministério da Educação vive enredado nas contradições que engendra. Por um lado, dá o significado de «excepcional» ao «excelente», quando diz que as quotas existem para impedir que todos possam aceder a esse patamar; por conseguinte, só quer lá alguns, isto é, remete-nos para o seu carácter «excepcional». Por outro lado, estabelece um quadro definidor do que deve ser considerado «excelente», mas não possibilita que todos que o alcancem, mesmo que cumpram todos os critérios por ele (Ministério) definidos.
4. Conclusão.
A «excelência» define-se por um quadro de referências, neste caso, definido (ainda que mal) pelo Ministério. Portanto, ao contrário do que diz a ministra da Educação e os seus adjuntos, não deveriam/não poderiam nunca existir restrições ao acesso a esse nível, para quem, de facto, o atinge. Se atinge os requisitos estabelecidos é «excelente», se não atinge não é «excelente», mais nenhum outro critério é sério.
Das quatro uma: ou o Ministério quer a «excelência» e aceita que quem a atinge é classificado como tal; ou o Ministério não está preocupado com a «excelência» e o que quer, na realidade, é, exclusivamente, poupar dinheiro; ou Ministério não dá credibilidade ao quadro referencial de «excelência» que ele próprio definiu; ou o Ministério não dá crédito ao processo de avaliação que ele próprio gizou.
A primeira hipótese está afastada, restam as outras três. Em alternativa ou... cumulativamente.
5. Este assunto ainda tem outros quês e lês, mas isto já vai longo e hoje é sábado.
Ontem, Jorge Pedreira, secretário de Estado da Educação, sentiu necessidade de o reafirmar: «Em qualquer grupo [profissional], se todos puderem ser excelentes o que está errado é a própria definição de excelência».
Vejamos.
1. Poderíamos começar por analisar o termo «excelência», e ver se ele nos remete, necessariamente, para algo de restrito, isto é, se «excelente» (= magnífico, óptimo, brilhante, notável) deve ser entendido como sinónimo de «excepcional» (= raro, único). Como se sabe, não são palavras sinónimas, ainda que possam ser usadas como sinónimas, mas não o são, necessariamente. Contudo, é assim que a ministra da Educação e a sua equipa as usam, quando lhes convém, ou seja, usam o termo «excelente» no sentido de «raro», «único» – e só assim se poderá, eventualmente, compreender que digam o que dizem. Mas, se assim é, deveriam tê-lo assumido desde o início, e a classificação máxima da avaliação de desempenho dos professores ter-se-ia denominado de «Excepcional» e não de «Excelente». Ao contrário do que possa parecer, isto não é uma «questão de lana-caprina», porque tem implicações decisivas.
2. Peguemos num exemplo: temos duas equipas de futebol ou de râguebi ou de investigação científica ou do que se quiser e apliquemos-lhes os qualificativos «excelente» e «excepcional».
Equipa X – Constituída, na sua totalidade, pelos melhores atletas ou cientistas do mundo. Significa, portanto, que eles são todos «excelentes», mas, na equipa, nenhum pode ser considerado «excepcional», exactamente, porque sendo todos «excelentes» nenhum é «raro», nenhum é «único».
Equipa Y – Constituída por atletas ou cientistas em que só um é «excepcional». Exactamente, porque para um ser «excepcional» os outros têm de ser considerados inferiores a esse «excepcional», se fossem equiparáveis, já aquele não seria, como é óbvio, «excepcional». Esse «excepcional» poderá, eventualmente, ser «excelente», mas não é, pela definição de «excepcional», obrigatório que o seja.
Pergunta: Qual das duas equipas escolheríamos como nossa, a X ou a Y? Escolheria alguém a Y?! A X dá-nos a garantia de que todos são «excelentes», a Y só nos garante que um dos seus membros é «excepcional», nada mais. Nem sequer nos garante que esse «excepcional» seja «excelente». Naquela equipa, ele é «excepcional» porque, comparativamente com os outros, é «único», mas nada impede que seja inferior a «excelentes» de qualquer outra equipa.
Se estas equipas estivessem sujeitas a quotas, a equipa X não poderia existir. Se apenas pudesse ter 10% de «excelentes», teriam que ser despedidos 90% dos atletas ou dos cientistas ou do que quer que fossem.
A equipa Y, não precisaria de ser mexida, a quota de 10% estava assegurada. Mas tínhamos uma equipa que, provavelmente, andava a lutar para não descer de divisão ou cujos cientistas nunca tinham conseguido escrever, nem sequer uma nota de rodapé, na Nature.
Se quisermos transformar as equipas X e Y em escolas X e Y, ficamos a saber que modelo de instituição escolar o ministério da Educação acabaria por produzir, seguindo a lógica do «excelente» como sinónimo de «excepcional».
3. O «excepcional» não vale por si mesmo, vale apenas comparativamente. O «excepcional» não nos remete para nenhum dimensão objectiva nem substantiva. O «excepcional», ontologicamente, não existe. Um medíocre, por exemplo, é «excepcional» se estiver no meio de maus.
O «excelente», pelo contrário, representa uma realidade objectiva, objectiva no sentido de ser previamente definida pela enunciação de um conjunto convencionado de caracteres que a constituem. Através de critérios, também previamente definidos, é possível avaliar se alguém atinge ou não atinge essa realidade. Ora a parafernália de itens avaliativos que o ministério definiu (mal, pessimamente, como sabemos, mas para o caso não interessa) pressupõe isso mesmo: a existência de uma realidade substantiva à qual se acede ou não se acede segundo uma avaliação realizada com critérios que o ministério definiu.
Ora, isto mostra como o Ministério da Educação vive enredado nas contradições que engendra. Por um lado, dá o significado de «excepcional» ao «excelente», quando diz que as quotas existem para impedir que todos possam aceder a esse patamar; por conseguinte, só quer lá alguns, isto é, remete-nos para o seu carácter «excepcional». Por outro lado, estabelece um quadro definidor do que deve ser considerado «excelente», mas não possibilita que todos que o alcancem, mesmo que cumpram todos os critérios por ele (Ministério) definidos.
4. Conclusão.
A «excelência» define-se por um quadro de referências, neste caso, definido (ainda que mal) pelo Ministério. Portanto, ao contrário do que diz a ministra da Educação e os seus adjuntos, não deveriam/não poderiam nunca existir restrições ao acesso a esse nível, para quem, de facto, o atinge. Se atinge os requisitos estabelecidos é «excelente», se não atinge não é «excelente», mais nenhum outro critério é sério.
Das quatro uma: ou o Ministério quer a «excelência» e aceita que quem a atinge é classificado como tal; ou o Ministério não está preocupado com a «excelência» e o que quer, na realidade, é, exclusivamente, poupar dinheiro; ou Ministério não dá credibilidade ao quadro referencial de «excelência» que ele próprio definiu; ou o Ministério não dá crédito ao processo de avaliação que ele próprio gizou.
A primeira hipótese está afastada, restam as outras três. Em alternativa ou... cumulativamente.
5. Este assunto ainda tem outros quês e lês, mas isto já vai longo e hoje é sábado.