terça-feira, 29 de setembro de 2009

Retratos de Sócrates (1)

O jornalista Rui Costa Pinto publicou o livro José Sócrates — O Homem e o Líder. Para além da seriedade que este trabalho me parece ter e do seu mais que evidente interesse público, ele revela a coragem do seu autor, por ser capaz de relatar factos e de revelar, de forma inequívoca, características perigosas que em nenhuma circunstância deveriam pertencer a um homem que tem o poder de chefiar o Governo de um país.
A partir de hoje, colocarei vários excertos deste livro no blogue.
«- "E tu acreditas?".
Foi a pergunta que José Sócrates me fez, insistentemente, durante uma longa e tardia conversa que se foi revelando tensa, muito tensa.
Na última semana de Janeiro de 1999, mais precisamente no dia 28, uma quinta-feira, fui incumbido de telefonar ao então ministro adjunto do primeiro-ministro para o confrontar com o resultado de um pré-inquérito da Polícia Judiciária (PJ), a propósito de um negócio de resíduos e lixos. [...]
A reacção ao telefone, que não podia ser um 'off', surpreendeu pelos termos destemperados:
-"Isso é uma tentativa de assassinato político com base numa denúncia anónima! E tua acreditas?", repetiu aos gritos, completamente descontrolado.
Nunca tinha falado com um membro do governo tão agitado e exaltado. Tentei manter a calma. [...]
José Sócrates 'cega' quando é confrontado com algo que não lhe agrada, do assunto mais grave ao mais trivial. Qualquer político, certamente mais experiente, teria desvalorizado a informação, pois estava em causa um documento preliminar que, muitas vezes, nem sequer tem consequências em termos criminais. Optou por outro caminho: a ameaça e o confronto com o 'mensageiro'. [...]
Nem o apelo à razão enfraqueceu a ira do então ministro, que, aliás, ainda teve o atrevimento de manifestar surpresa e desagrado pelo facto de eu não o ter alertado da investigação jornalística, insinuando que eu traíra a "nossa amizade". A nossa amizade? Fiquei estupefacto! Apesar de não ter sido eu a fazer a investigação, o que repeti, até à exaustão, o certo é que tal reivindicação me pareceu abusiva. É tolerável confundir um 'bufo' com um jornalista? Ou baralhar a amizade com relações cordiais, determinadas por razões de ordem profissional? Claro que não. A manobra tinha outro alcance, mas deixara transparecer uma determinada visão instrumental das relações profissionais, em que vale tudo. Confundir a lealdade com outros valores primordiais é um dos traços mais marcantes da sua personalidade que, aliás, se revelará prejudicial no decorrer da carreira política e governamental.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 16-18.
(Continua)