Vivemos tempos de vazio. A nossa vida colectiva foi reduzida ao que é determinado como sendo a forma tecnicamente correcta de vivermos em conjunto. Lemos e ouvimos que tecnicamente não é possível isto, tecnicamente não é sustentável aquilo, tecnicamente não é plausível aqueloutro; que seria bom, mas tecnicamente não é aconselhável, que seria óptimo, mas tecnicamente não é viável. Ao tecnicamente junta-se, em regra, o economicamente, e estes dois advérbios tornaram-se, nos últimos anos, o alfa e ómega de quase todos os discursos.
Os ideais, os valores, as causas transformaram-se em relíquias, que podem ser contempladas como quem contempla catedrais da Idade Média: coisas bonitas, até admiráveis, mas inexoravelmente do passado. Os ideais, os valores e as causas, dizem-nos, não têm tecnicamente hipóteses de sobreviver. Tecnicamente são devaneios e economicamente são inviáveis.
O peso do tecnicamente e do economicamente é enorme na cabeça das pessoas. Antecipadamente, somos todos derrotados pelo tecnicamente e pelo economicamente.
Ora não está a ser fácil compreendermos que o tecnicamente e o economicamente não têm existência própria, que não são padrão de coisa alguma, que não são, nunca foram nem alguma vez serão fins em si mesmos. Não valem por si próprios, não têm sequer vida própria.
Não está a ser fácil compreendermos que algo só é ou não é tecnicamente possível em função de um objectivo previamente definido que se pretende atingir. O objectivo é que condiciona se determinado caminho é tecnicamente viável. Nada, por si só, é viável ou inviável tecnicamente. Por isso, quando nos dizem que tecnicamente ou economicamente algo não é possível, temos de perguntar: mas qual é o objectivo?
Um exemplo. Dizem-nos e repetem-nos: o Estado Social não é tecnicamente/economicamente possível. A pergunta que devemos fazer é: mas qual é o objectivo? Se o objectivo for unicamente preservar o Estado Social, não há nenhuma dúvida de que esse objectivo é tecnicamente/economicamente possível, não há nenhum impedimento para que não o seja. Todavia, se o verdadeiro objectivo for preservar o Estado mantendo o statu quo, isto é, se o objectivo for preservar o Estado Social mantendo intactas as regras do sistema económico e financeiro, então, tecnicamente/economicamente isso já não será possível. Por conseguinte, depende do objectivo aquilo que é ou que não é tecnicamente possível.
No primeiro caso, o objectivo é preservar o Estado Social. No segundo caso, a preservação do Estado Social já não o objectivo, é apenas um objectivo e é um objectivo menor, pois está dependente de um objectivo maior: manter intactas as regras do sistema económico e financeiro.
O objectivo é, pois, o que faz a diferença. O problema é que aqueles que usam e abusam do tecnicamente como argumento fazem-no escondendo os seus verdadeiros objectivos.