quarta-feira, 31 de março de 2010

Ser professor

Às quartas

Onde mora a memória obscura, onde
esse cavalo persiste como um relâmpago de pedra,
onde o corpo se nega, onde a noite ensurdece,
caminho sobre pedras na minha casa pobre.

Não conheço esse lago, não fui a esse país.
Mas aqui é um termo ou um princípio novo.
Com a baba do cavalo, com os seus nervos mais finos
reconstruí o corpo, silenciei os membros.

Não se estancou a sede, no mesmo caos de agora,
mas a língua rebenta, as vértebras estalam
por uma nova língua, por um cavalo que una

a terra à tua boca, e a tua boca à água.

António Ramos Rosa

terça-feira, 30 de março de 2010

Porque nunca é demais lembrar no que lentamente nos tornamos.....

Um interessante texto escrito por um professor brasileiro da Universidade Federal de São João del-Rei, a propósito de um certo tipo de mudanças que se vão operando...

«Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronómica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Para quê televisão? Para quê rua? Para quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!.. - ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anónimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Para que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!»
José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
O agradecimento ao António Magueija, pelo envio deste texto.

Terças da MP - Toque de Caixa

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Registos do fim-de-semana

Face Oculta: Sócrates e Vara falavam em código
— Paiva Nunes acreditava que este Governo só duraria 2 anos e era preciso 'safarem-se' —

Antecipação de reformas penaliza Saúde e Educação

Gestores ganham [em média] 38 vezes mais do que trabalhadores:
Mota Engil: 41x; BES: 33x; Brisa: 32x; Jerónimo Martins: 54x; PT: 40x; Portucel: 73x; REN: 20x

Portugal já paga dívida mais cara do que Irlanda e Itália
Sol (26/3/10)

Criminalidade: Números oficiais desmentem Governo
Público (26/3/10)

Mário Lino escolhido para chairman da Cimpor
i (27/3/10)

Fundação do e-escolas deve 109 milhões às operadoras

Portugal bate recorde europeu na abertura de shoppings
Público (27/3/10)

Ex-ministros PS arrasam PEC

Assis travou revolta socialista

Figo fechou contrato 6 dias antes de apoiar Sócrates

Pontes só agora passadas à lupa
— Uma década após Entre-os-Rios, ainda decorre a primeira inspecção segundo um manual único —

Alegre: "Uma nação é só números"
Expresso (27/3/10)

Provedor de Justiça vai abrir processo aos contratos para a requalificação das escolas
Público (28/3/10)

domingo, 28 de março de 2010

Pensamentos de domingo

«O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir enquanto se pensa noutra coisa.»
Mário Quintana

«Já há um século que se deixou de educar as crianças para se tornarem adultos. Pelo contrário, os adultos da nossa época são educados para continuarem a ser crianças.»
Javier Marías

«Um aforismo não deve necessariamente ser verdadeiro, mas deve superar a verdade.»
Karl Kraus
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Baptiste Trotignon e David El-Malek

sábado, 27 de março de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca do casamento

«Quando um oleiro consultou Sócrates sobre o que fazer, se haveria de casar ou de permanecer solteiro, Sócrates aconselhou-o:
— Faças o que fizeres, vais arrepender-te.»

Acerca de uma condenação
«Sócrates foi condenado à morte, acusado de introduzir novos deuses na cidade e de corromper os jovens, acusações injustas, por detrás das quais se ocultava o ódio que lhe tinham alguns influentes homens de Atenas.
Apesar de os seus discípulos terem preparado um plano para a sua fuga, subornando os carcereiros, Sócrates recusou-se a fugir, dizendo que deveria respeitar as leis da sua cidade. No dia previsto da sua morte, todos os seus familiares e amigos estavam inconsoláveis e teve de ser o próprio condenado à morte a dar-lhes ânimo. Mas nem naquele difícil transe Sócrates perdeu a oportunidade de ironizar: como Xantipa, sua mulher, chorava e não parava de lamentar que o iriam matar injustamente, Sócrates perguntou-lhe:
— E acaso preferirias que me matassem com justiça?»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fragmenti veneris diei

«Às seis e meia da manhã a campainha tocou e Rosa deu um salto. Vêm-me buscar, disse, e, perante a sua imobilidade, Amalfitano teve de se levantar e perguntar pelo intercomunicador quem era. Ouviu uma voz muito frágil que lhe dizia sou eu. Quem é?, perguntou Amalfitano. Abre, sou eu, disse a voz. Quem?, perguntou Amalfitano. A voz, sem abandonar o seu tom de fragilidade absoluta, pareceu aborrecer-se com o interrogatório. Eu eu eu eu, repetiu. Amalfitano fechou os olhos e abriu a porta do edifício. Ouviu o som de roldanas do elevador e voltou para a cozinha. Lola continuava sentada, sorvendo as últimas gotas de café. Creio que é para ti, disse Amalfitano. Lola não mostrou qualquer sinal de o ter ouvido. Vais despedir-te da menina?, perguntou Amalfitano. Lola levantou o olhar e respondeu-lhe que era melhor não a acordar. Ela tinha os olhos azuis rodeados por umas olheiras profundas. Depois, a campainha da casa tocou duas vezes e Amalfitano foi abrir. Uma mulher muito pequena, que não tinha mais de um metro e meio de altura, passou junto dele depois de olhar para ele brevemente e murmurar um cumprimento ininteligível, e dirigiu-se directamente para a cozinha, como se conhecesse os costumes de Lola melhor que Amalfitano. Quando Amalfitano voltou à cozinha, reparou na mochila da mulher, que esta deixara no chão ao pé do frigorífico, mais pequena que a de Lola, quase uma mochila em miniatura. A mulher chamava-se Immaculada, mas Lola chamava-lhe Imma. Algumas vezes, ao voltar do trabalho, Amalfitano encontrara-a em casa, e a mulher tinha-lhe dito na altura o nome dela e a forma como a devia chamar. Imma era o diminutivo de Immaculada, em catalão, mas a amiga de Lola não era catalã nem se chamava Immaculada, com dois emes, mas sim Inmaculada, e Amalfitano, por uma questão de fonética, preferia chamar-lhe Inma, embora fosse repreendido pela sua mulher de cada vez que o fazia, até que decidiu não a chamar de maneira nenhuma. Da porta da cozinha observou-as. Sentia-se muito mais calmo do que imaginara. Lola e a amiga tinham o olhar cravado na mesa de fórmica, embora não passasse despercebido a Amalfitano que de vez em quando as duas levantavam os olhos e cruzavam olhares de uma intensidade que ele desconhecia. Lola perguntou se alguém queria mais café. Está a dirigir-se a mim, pensou Amalfitano. Inmaculada moveu a cabeça de um lado para o outro e a seguir disse que já não tinham tempo, que o melhor seria porem-se a andar pois dentro de pouco os caminhos de saída de Barcelona estariam bloqueados. Fala como se Barcelona fosse uma cidade medieval, pensou Amalfitano. Lola e a amiga puseram-se de pé. Amalfitano deu dois passo e abriu a porta do frigorífico para tirar uma cerveja impelido por uma sede repentina. Antes de fazê-lo teve de afastar a mochila de Imma. Pesa como se dentro dela só houvesse duas blusas e outras calças pretas. Parece um feto, foi o que Amalfitano pensou, e deixou cair a mochila para o lado. Depois Lola beijou-o na face e ela e a amiga foram-se embora.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 197-199.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Alegremente, a farsa continua

Chegamos ao final do 2º período e as escolas continuam a funcionar, no que diz respeito à avaliação docente (e a quase tudo...), exactamente como se nada neste País tivesse acontecido. Isto é, continua-se a funcionar exactamente como se Maria de Lurdes Rodrigues ainda fosse ministra da Educação, como se não tivesse havido eleições, como se o PS não tivesse sofrido uma perda eleitoral de meio milhão de votos e como se não tivesse perdido a maioria absoluta.
A vergonhosa e incompetente legislação sobre o Estatuto da Carreira Docente, sobre os professores titulares e sobre a Avaliação do Desempenho continua plenamente em vigor e continua irresponsavelmente a fazer estragos.
Todos sabemos que foi pública e formalmente anunciado pelo Ministério da Educação, com exaustiva propaganda mediática, que esta legislação vai ser, a curto prazo, revogada. Todavia, apesar de toda gente saber isto, o mesmo Ministério exige que se continue a dar cumprimento às determinações que essa mesma legislação estabelece. Deste modo, está a exigir-se que os professores contratados sejam avaliados pela incompetente legislação que vai ser revogada. Assim, mais um enorme faz-de-conta está em andamento nas escolas.
Os professores contratados que quiserem candidatar-se à classificação de Muito Bom e de Excelente vão ser avaliados por professores que, na esmagadora maioria dos casos, não tiveram qualquer formação credível para exercerem a função de avaliador. Isto foi publicamente denunciado pelo Conselho Científico para a Avaliação dos Professores, quando, em uma das suas recomendações, escreveu: «muitos avaliadores não têm experiência, não têm formação específica nem têm perfil para avaliar o desempenho dos seus colegas.»
Além disto, há mais uma aberração que se repete: os professores contratados que quiserem candidatar-se à classificação de Muito Bom e de Excelente terão duas ou três aulas observadas no 3.º período, que será, em várias escolas, um tempo inferior a dois meses...
Isto acontece, apesar de toda a gente saber que não é deontologicamente aceitável nem tecnicamente sustentável realizar uma avaliação (que, recorde-se, visa avaliar a «Excelência» do desempenho de um professor) limitada a um período lectivo, com observação de aulas circunscrita a pouco mais de um mês e que será tida como a avaliação de um ano completo.
Isto acontece, apesar de toda a gente saber que a eventual «Excelência» da correcção científico-pedagógica que o docente deve demonstrar na sua actividade lectiva não é avaliável nem é certificável com a observação de apenas duas ou três aulas. Essa avaliação requer um continuado acompanhamento que possibilite um conhecimento seguro do eventual «Excelente» domínio científico-pedagógico, por parte do docente, das diferentes matérias dos programas leccionados.
Isto acontece, apesar de toda a gente saber que a eventual «Excelência» da adequação das metodologias e recursos didáctico-pedagógicos utilizados pelo docente não é avaliável nem é certificável com a observação de apenas duas ou três aulas. Para o avaliador poder ter uma fiabilidade mínima na avaliação da eventual «Excelência» da adequação das metodologias e dos recursos utilizados, tem de possuir obrigatoriamente um bom conhecimento das características da turma ou das turmas em que as aulas são observadas, o que não é possível através da observação do número de aulas previsto.
Toda a gente sabe isto, mas a farsa, alegremente, continua.
E continua por uma razão muito objectiva: continua porque houve um partido político, cuja sigla é PSD, que, sem qualquer pudor, deu o dito por não dito, e votou, na Assembleia da República, contra a suspensão do modelo de avaliação; e continua porque houve sindicatos que consideraram que era uma mera questão semântica a diferença entre suspensão e substituição.
É por isto que a farsa continua.

Quinta da Clássica - Vincenzo Bellini

quarta-feira, 24 de março de 2010

Às quartas

Fragmento

Se o vento ao mar azul o calmo espelho afaga,
sem ondas levantar, a terra já não amo:
sorrisos de um sereno e de um tranquilo fundo
me tentam alma inquieta. Mas se o estrondo ecoa
do Oceano abismos turvos, e se a crespa espuma
coroa as altas vagas que rebentam fortes,
para a terra me volto e seus profundos bosques
onde os pinheiros cantam no soprar do vento.
Aquel' que o lenho habita e sobre o mar trabalha
dos fugitivos peixes só vivendo, tem
sorte mais triste. Eu lânguido me alongo aonde
o murmurar do rio ao espírito me anima,
sem que da paz o acordo ou súbito o perturbe.

Mosco de Siracusa
(Trad.: Jorge de Sena)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Registos do fim-de-semana

A lista de prendas de Manuel Godinho

Narciso acusa PS de práticas estalinistas

Socialistas não poupam secretário-geral
— 'O programa eleitoral do PS foi uma brincadeira', reage Adão e Silva sobre as medidas propostas pelo PEC —

Viagens de Inês de Medeiros estão por pagar

Vice-PGR acusado de estar 'ilegal'

Portugal em 3.º na subida de impostos

Freiras processam Igreja Católica
Sol (19/3/10)

"O casamento gay é inconstitucional" (Freitas do Amaral)

Fosso salarial na função pública duplicou em 20 anos

Fractura no governo: Vieira da Silva contra medidas do PEC
i (19/3/10)

Um terço dos doentes crónicos não compra medicamentos por falta de dinheiro

PEC provoca controvérsia no Governo e no PS

Negócio PT/TVI: Audição a José Sócrates será a última a ser feita
Público (19/3/10)

Governo quer afastar Carrilho da UNESCO

27 peritos dão nota negativa ao Orçamento

PEC provoca primeiras divergências no Executivo

Acabou o silêncio na ala esquerda do PS

Soarista dirige campanha de Fernando Nobre
Expresso (20/3/10)

"Portugal corre o risco da mediocridade lenta" (António Mexia)

Manuel Alegre diz que não troca apoio do PS por silêncio sobre o governo
i (20/3/10)

Quando o Governo adiou o TGV já sabia que projecto estava atrasado
— O adiamento da alta velocidade entre Lisboa e Porto foi apresentado como medida de contenção, mas o projecto não iria estar pronto dentro do prazo —

Cinco casos de violência na escola de Leandro

Manuel Alegre critica duramente PEC do Governo PS
Público (20/3/10)

domingo, 21 de março de 2010

Pensamentos de domingo

«Não há bastantes coisas proibidas pela lei? Precisa de proibir para você mesmo as outras?»
Textos Judaicos

«Se os macacos chegassem a experimentar tédio, poderiam tornar-se gente.»
Johann Goethe

«O epitáfio é a última vaidade do homem.»
Axel Oxenstiern
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Bernardo Sassetti Trio

sábado, 20 de março de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

«Anáxagoras de Clazómenas foi um dos primeiros filósofos a supor a existência de um espírito racional (o Nous), responsável pela ordenação do universo a partir do caos original. Por isso, Aristóteles outorgava-lhe um lugar especial entre os filósofos pré-socráticos, chegando a dizer que parecia um homem sóbrio entre bêbados.
Anaxágoras fundou em Atenas uma escola de filosofia que permaneceu aberta durante trinta anos. Foi mestre de Eurípedes, Arquelau, Péricles e, possivelmente, de Sócrates. Mas um dia foi acusado de impiedade e condenado pelos tribunais atenienses. Anaxágoras fugiu então para o Lâmpsaco, onde fundou outra escola de filosofia. Como alguém se lamentasse perante ele de os atenienses o terem condenado à morte, Anaxágoras respondeu:
— Também a eles a Natureza condenou à mesma pena.»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Notas soltas

Notas soltas (porque o tempo não tem dado para mais).

1. A ministra da Educação, Isabel Alçada, anunciou hoje que vai alterar o regime de faltas dos alunos e que voltará a haver distinção entre ausências justificadas e injustificadas.
Alfim! Todavia, este anúncio é mais um episódio que serve para reconfirmar aquilo que há muito se sabe: o Partido Socialista não tem uma política para a Educação.
Aquilo a que o PS chama uma política para a Educação resume-se a um amontoado contraditório e caótico de ideias. Aquilo que, nos últimos cinco anos, o Partido Socialista já fez e desfez no domínio da Educação supera aquilo que a mais fértil imaginação conseguiria congeminar. E se compararmos com a política educativa do anterior Governo socialista, o de António Guterres (cuja paixão era a Educação...), a única conclusão que se pode tirar é a de que, aliada à incompetência técnica evidenciada pelos políticos socialistas e pelos seus conselheiros, graça naquele partido uma completa irresponsabilidade que tudo permite.
Contudo, quem paga a factura desta incomensurável irresponsabilidade socialista são os jovens, são os professores, são as famílias, é o País.

2. «A maioria dos políticos e gestores públicos que constam das listas de prendas de Natal do empresário de Aveiro — apreendida pela Judiciária no âmbito da investigação do caso Face Oculta — diz que desconhece os presentes enviados pelo sucateiro. [...]
Contactado pelo SOL, o gabinete de José Sócrates respondeu: "O primeiro-ministro não conhece o senhor Manuel Godinho e não recebeu pessoalmente qualquer presente de Natal seu."» (Sol, 19/3/10)
Não é possível deixar de assinalar a oportunidade e a perspicácia da introdução do advérbio «pessoalmente». Aliás, os advérbios têm sido um instrumento ultimamente bastante utilizado pelo primeiro-ministro. Há pouco tempo, revelou-se de particular oportunidade a introdução do advérbio «oficialmente», para justificar o desconhecimento do negócio da PT... Agora, ficamos a saber que de uma forma directa não recebeu nenhum presente, isto é, pessoalmente não recebeu. E por interposta pessoa, portanto, não pessoalmente, recebeu?
3. «Mesmo que teoricamente Sócrates tivesse mentido, o negócio da TVI não é fundamento para moção de censura.» (Vitalino Canas,
Sol, 19/3/10).
Vamos então supor, teoricamente, que o negócio da TVI não é fundamento para moção de censura. E o facto de um primeiro-ministro mentir ao Parlamento não é fundamento para uma moção de censura? O problema de um primeiro-ministro mentir ao Parlamento não é um problema em si mesmo, independentemente da mentira ser referente à TVI ou a qualquer outro assunto?
Vitalino Canas sabe que é, mas faz de conta que não sabe.

Fragmenti veneris diei

«Não sei o que vim fazer a Santa Teresa, disse para si Amalfitano ao fim de uma semana a viver na cidade. Não sabes? Não sabes mesmo?, interrogou-se. Realmente não sei, disse para si mesmo, e não pôde ser mais eloquente.
Tinha uma casinha de um só piso, três quartos, uma casa de banho completa mais um sanitário, cozinha americana, uma sala de jantar com janela viradas a poente, um pequeno alpendre de tijoleira onde havia um banco de madeira desgastado pelo vento que descia das montanhas e do mar, desgastado pelo vento que vinha do Norte, pelo vento dos orifícios e pelo vento com cheiro a fumo que vinha do Sul. Tinha livros que conservava há mais de vinte e cinco anos. Não eram muitos. Todos velhos. Tinha livros que comprara há mais de dez anos e não se importava de emprestá-los, ou de os perder, ou que lhos roubassem. Tinha livros que às vezes recebia perfeitamente lacrados e com remetentes desconhecidos e que ele já nem sequer abria. Tinha um pátio ideal para semear relva e plantar flores, embora ele não soubesse que flores seriam as mais indicadas para ali plantar, não cactos ou cactáceas, mas flores. Tinha tempo (julgava isso) para dedicar ao cultivo de um jardim. Tinha uma cancela de madeira que precisava de uma demão de tinta. Tinha um ordenado mensal.
Tinha uma filha que se chamava Rosa e que sempre vivera com ele. Parecia difícil que fosse assim, mas era assim.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 195.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Aprende-se em todo o lado, mas é em casa que tudo começa


O agradecimento ao António Magueija pelo envio deste vídeo.

Às quartas

Um Epitáfio

Que tu morreste, Heráclito, me dizem.
Amargas novas de que choro amargo.
Chorava, e relembrava quantas vezes,
falando nós, o Sol se pôs exausto.

E agora que tu és, meu velho amigo,
de cinzas um punhado há muito frias,
ainda a tua voz, o rouxinol, não dorme:
omnipotente a Morte, contra a voz não pode.

Calímaco
(Trad.: Jorge de Sena)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Texto de Paulo Ambrósio sobre o colega Luís


Memórias esparsas do Luís


O Luís era uma daquelas pessoas já raras, porque digna, guiado por princípios e valores, exigente consigo próprio, tímido e muito metido com ele (era difícil arrancar-lhe um sorriso). Aos 51 anos, "solteirão", ainda contratado - o professorado é a única profissão em Portugal onde isto ainda acontece! - veio até nós, no decurso da luta pela Profissionalização, contexto onde convivi com ele directamente durante cerca de três anos.

Portador de Habilitação Própria, foi eleito em Lisboa, em Plenário para a Comissão de Contratados, em 2004. Participou activamente em todos os protestos e acções reivindicativas da nossa Frente de Trabalho do SPGL, que levaram à conquista do Despacho nº 6365/2205 (profissionalização em serviço em ESE's e Faculdades).

Era conhecido entre nós pelo ”freelancer" (alusão à sua segunda ocupação de jornalista eventual). Dotado de forte sensibilidade em relação ao mundo da informação e da comunicação social, propôs e pedia frequentemente, nas nossas reuniões, que os sindicatos encarassem esta frente (relações públicas) com outros olhos, mais eficazmente. A partir de 2006, não se recandidatou mais à nossa comissão de contratados.


Encontrei-o mais tarde nas mega-manifestações de professores: estava na Escola EB 2,3 Ruy Belo, e achei-o disposto a não entregar os Objectivos Individuais, um verdadeiro problema de consciência moral, para ele.

Depois disso, mais uma ou duas vezes, espaçadamente. Soube que tinha sido colocado na EB2,3 de Fitares, mas pouco mais.

No passado dia 11 de Fevereiro, revi-o pela última vez, em Oeiras, já deitado no caixão na capela mortuária. Conversei longamente com a mãe, a irmã, a empregada doméstica. Vêm-me à memória as palavras do pai, militar aposentado: "o Luís era bom moço, quis ser bom até ao fim, só que não aguentou o inferno das escolas de hoje... Vocês têm que fazer qualquer coisa!"

O Luís nos, últimos tempos, já tinha tomado friamente a decisão, inabalável. Por isso, não creio que nesse período, tenha pedido ajuda a ninguém. Segundo me disseram familiares, no velório, pela consulta do histórico do seu PC, ele, um mês antes de se lançar da ponte, consultava sites sobre suicídio, na internet. Escolheu o dia da sua morte coincidindo com a data de aniversário do pai, com o qual, aliás, se dava bem.

O ambiente no velório foi impressionante, pela dignidade, revolta interior e tristeza da cerimónia, com alguns professores presentes, num silêncio de cortar à faca, só rasgado por frases em surdina, de justo ódio, visando os políticos responsáveis pela situação a que nos últimos anos chegou o Ensino Público. Foi, sem dúvida, dos velórios mais tocantes em que estive até hoje, mesmo estando já habituado a duras perdas, e tendo estado na semana anterior, noutro, de um familiar directo. Quando escrevi no livro de condolências o que me ia no espírito, tive dificuldade em o fazer, a cortina de lágrimas teimava em desfocar-me as letras.

Pessoalmente, decidi manter silêncio durante um mês, por respeito ao pesado luto da família, só o quebrando depois da irmã dele (nossa colega, também) o ter feito, decorridos cerca de trinta dias, com a divulgação da notícia à comunicação social, para assim tentar evitar que outros casos se repitam, colocar toda a verdadeira dimensão das depressões e suicídios profissionais à luz do dia, rasgar o manto hipócrita dos silêncios assassinos e abalar as consciências de toda a sociedade.


Paulo Ambrósio

- membro da Comissão de Professores Contratados e da Frente de Professores e Educadores Desempregados do SPGL desde 1999

Registos do fim-de-semana

Face Oculta: Sede da EDP sob suspeita

Inquérito parlamentar ao caso PT/TVI começa quinta-feira.
E todos os partidos admitem que terá 'consequências políticas'


Versão de Granadeiro negada

Fundações públicas fora da lei

Medidas de austeridade vão aumentar pobreza em Portugal
Sol (12/3/10)

Professor maltratado por alunos preferiu morrer
a voltar ao 9.º B


Economia contrai-se 1% no último trimestre e corre o risco de voltar a cair em recessão

PS irritado com 'apoio' de Cavaco a inquérito na AR
Público (12/3/10)

Professor atira-se da ponte por causa das ameaças dos alunos

Economia volta a cair e lança ameaça para 2010

Viagens de Inês Medeiros nas mãos de Jaime Gama

Pilotos da TAP marcam seis dias de greve
para as férias da Páscoa

i (12/3/10)

O diabo está nos detalhes do negócio da TVI
— Contradições entre depoimentos e 'ajudas' externas aumentam o cerco ao PM no caso TVI. O pior são as provas —

Agressões aumentam nas salas de aula

Freeport: PJ insiste com Londres

Fundação das Comunicações Móveis sem rei nem roque

Bruxelas aprova PEC... que vai custar mais €800 a cada português
Expresso (13/3/10)

Mais docentes agredidos na escola do professor
que se atirou ao Tejo

— GNR registou aumento substancial de violência
nas escolas em 2008/2009 —


Municípios não controlam financiamentos
Público (13/3/10)

Cavaco Avança para 2011

Vereadores do PSD dão maioria a Isaltino

Cavaco Silva envia casamento gay para fiscalização pelo Tribunal Constitucional

Mário Soares critica falta de debate no PS e contesta privatizações previstas no PEC

Tributação das mais-valias avança apenas quando houver estabilidade financeira
Público (14/3/10)

domingo, 14 de março de 2010

Sobre a autoridade do professor - Um texto da APEDE (Mário Machaqueiro)

«… Umas tantas teses, em jeito telegráfico, e porque os acontecimentos graves destes últimos dias (destas últimas semanas, meses, anos) a isso nos obrigam:
1. A autoridade do professor, na sala de aula e perante os seus alunos, é um atributo estruturalmente indissociável do seu ofício. Não se é professor sem autoridade.
2. A autoridade do professor não é um dado natural, nem está imune aos processos de transformação histórica e social. Além disso, essa autoridade necessita de ser legitimada (perante os alunos, como perante os colegas de profissão)
3. O ponto anterior não implica, porém, que tal autoridade seja totalmente arbitrária ou tenha de ser absolutamente relativizada (o oxímoro é aqui propositado).
4. A autoridade do professor assenta no seu saber e na sua capacidade de o transmitir aos alunos, de modo a que, nessa transmissão, eles saiam mais enriquecidos no plano intelectual e no plano ético.
5. A autoridade do professor, de acordo com a definição anterior, cria uma assimetria incontornável entre professor e alunos. A relação pedagógica só é possível dentro dessa assimetria e no reconhecimento da mesma por parte dos actores envolvidos.
6. O exercício da autoridade pode (e, em certos casos, deve) ser parcialmente negociado pelo professor com os alunos.
7. O ponto anterior não implica, contudo, que a autoridade em si mesma, quando devidamente legitimada, seja objecto de negociação.
8. Na escola pública democrática, tal como em qualquer organização social dotada de hierarquias estruturais (que diferenciam, por exemplo, quem sabe e quem não sabe, quem ensina e quem aprende), nem toda a autoridade pode e deve ser partilhada, nem todas as decisões podem e devem ser objecto de negociação, e nem todos os indivíduos podem e devem deter autoridade sobre qualquer assunto. Nenhuma democracia consegue funcionar sem espaços que são, por essência, não-democráticos. A escola pública limita-se a confirmar esta regra.
9. O conhecimento não é democrático, mesmo que o acesso a ele possa e deva ser democratizado.
10. A democratização do acesso ao conhecimento, através da escola pública, coincidiu historicamente com o domínio político de uma ideologia apostada em relativizar a própria ideia de conhecimento, nomeadamente do conhecimento científico.
11. A ideologia da relativização do conhecimento dominou politicamente o discurso pedagógico encarregue de legitimar as práticas da escola pública democrática. Uma boa parte das chamadas «ciências da educação» foi mobilizada para esse exercício de relativização e para a destruição da assimetria pedagógica entre professor e aluno, fomentando a ilusão da igualdade de todos os «saberes».
12. A relativização do conhecimento acarretou, assim, a relativização da autoridade do professor, com danos irreparáveis na legitimidade deste último perante os alunos e perante a sociedade.
13. A relativização e a desautorização do saber e do seu representante, o professor, ficou associada à entronização do jovem e de um modelo de ensino «centrado no aluno». Esse modelo corresponde a um igualitarismo falacioso segundo o qual os supostos «saberes» dos alunos têm valor idêntico, senão superior, ao dos professores.
14. O igualitarismo pedagógico destruiu a possibilidade de uma igualdade social genuína e genuinamente democrática, pois manteve os jovens estagnados na miopia dos seus supostos «saberes» – invariavelmente ligados ao senso-comum de uma experiência social limitada – e incapazes de aceder à consciência crítica que só a cultura científica e humanística, transmitida pela instituição escolar, pode proporcionar.
15. A desautorização permanente do professor passou a ter o aval institucional do Ministério da Educação, traduzindo-se no discurso dos seus dirigentes políticos transitórios, caucionados pela ideologia pedagógica de um relativismo dominante que permanece bem enraizado nesse Ministério.
16. Em Portugal, a desautorização do professor, estimulada pelos poderes instituídos, tem sido reforçada por um senso-comum dominante em que imperam o desprezo pelos saberes académicos, o culto do oportunismo e do arrivismo social, o fascínio pela «esperteza saloia» e pela ascensão social fácil, mesmo quando reconhecidamente associada à corrupção económica.
17. O caldo de cultura mencionado nos pontos anteriores, conduzindo à perda de referências ético-políticas e de modelos de identificação, desemboca facilmente na violência exercida sobre antigas figuras de autoridade que sofreram e continuam a sofrer um processo de erosão imparável. O professor é uma dessas figuras. Não surpreende, por isso, que hoje ele se encontre particularmente exposto a diversas formas de agressão, formas que a ideologia relativista sempre procura desculpabilizar.
19. Nenhuma reforma do sistema educativo e da escola pública, orientada para recentrar o ensino na transmissão intergeracional do conhecimento e na figura do professor, será minimamente eficaz, ou sequer possível, enquanto perdurarem os factores que fomos aqui assinalando. »

Pensamentos de domingo

«O homem explora o homem e por vezes é o contrário.»
Woody Allen

«Todos temos um dia, mais ou menos triste, mais ou menos longínquo, de aceitar ser homem.»
Jean Anouilh

«Não quero ser um génio... Já tenho problemas suficientes ao tentar ser um homem.»
Albert Camus
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Andy Sheppard

sábado, 13 de março de 2010

Sobre o suicídio do professor vítima de violência

O colega Paulo Ambrósio enviou-nos o texto, escrito por si, e a notícia do Público que a seguir transcrevemos. Ambos os artigos são particularmente significativos.
O agradecimento ao Paulo Ambrósio.

«Convivi pessoalmente pelo menos durante 3 anos com o Luís (2004-2006), na Comissão de Professores Contratados do SPGL, da qual ele foi membro activo. O Luís era um amigo e camarada, homem bom, sensível, honesto e sonhador.

No passado dia 11 de Fevereiro estive presente no seu velório, onde falei com a mãe, o pai, a irmã e a empregada doméstica. O choque, a tristeza e revolta foram imensas. Casos como o do Luís têm de ser denunciados publicamente. A acção sindical tem de incluir urgentemente a violência escolar e as condições de trabalho na sua agenda imediata. Até para que a sua morte não tenha sido em vão.»
Paulo Ambrósio

Professor vítima de bullying preferiu morrer a voltar ao 9.º B




«Na véspera das aulas com aquela turma, Luís ficava nervoso. Isolava-se no quarto e desejava que o amanhã não chegasse. Não queria voltar a ouvir que era um "careca", um "gordo" ou um "cão". Não queria que o burburinho constante do 9.º B e as atitudes provocatórias de alguns alunos continuassem a fazê-lo sentir aquela angústia. O peso no peito. O sufocante nó na garganta. Luís não era um aluno. Tinha 51 anos e era professor de Música na Escola Básica 2.3 de Fitares, em Rio de Mouro, Sintra. Era. Na semana antes do Carnaval, decidiu que não voltaria a ser enxovalhado. Pegou no carro e parou na Ponte 25 de Abril. Na manhã do dia 9 de Fevereiro, atirou-se ao rio.
A direcção da escola foi várias vezes alertada para casos de indisciplina (Raquel Esperança)

Luís não avisou ninguém do acto radical. Mas radicalizou, segundo a família e os colegas, os apelos junto da direcção da escola para que resolvesse a indisciplina, em particular naquela turma. Fez várias participações que não terão tido seguimento. O PÚBLICO tentou ouvir a directora da escola, que justificou que só presta declarações mediante autorização da Direcção Regional de Educação de Lisboa. Fizemos o pedido e não recebemos resposta. Contudo, foi possível apurar que a Inspecção-Geral da Educação tem participações do alegado incumprimento da legislação sobre questões disciplinares por parte da direcção daquela escola.

Personalidade frágil
Na escola, impera o silêncio e os funcionários fazem um leve encolher de ombros. Alguns, sob anonimato, asseguram, tal como a família, que Luís era alvo de bullying e estava "profundamente desesperado e deprimido". A irmã de Luís, também professora, admite que o irmão era "uma pessoa complicada, frágil e reservada", mas assevera que era "um professor competente", cujos apelos "a escola ignorou". "Apenas lhe propuseram assistir a aulas de colegas para aprender a lidar com as provocações", diz.

A irmã descreve a profunda tristeza do professor nos últimos meses, ao longo dos quais "desabafou muito" com os pais, com quem ainda vivia. Nunca deu indícios do acto. Foram encontrados, depois da morte, no seu computador. "Se o meu destino é sofrer dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim - e não tendo eu outras fontes de rendimento -, a única solução apaziguadora será o suicídio." A frase encontrada não deixa dúvidas. Há vários desabafos escritos em alturas diferentes que convivem lado a lado com as participações sobre alguns alunos.

Luís somava à Música uma licenciatura em Sociologia e chegou a ser jornalista durante alguns anos. Era também cronista no Boletim Actual da Câmara de Oeiras, onde, no ano passado, dedicou algumas palavras aos problemas das escolas: "O clima de indisciplina nas escolas está a tornar-se insustentável. E ainda há quem culpe os professores, por falta de autoridade. Essas pessoas não fazem a mínima ideia do ambiente que se vive numa escola. Aconselho-as a verem o filme A Turma". No último boletim, o autarca Isaltino Morais dedicou-lhe um texto onde recorda a "perspicácia e apurado sentido crítico" de Luís.

Os alunos dividem-se sobre o professor, mas concordam que "era muito calado" e que "não convivia muito nem com alunos nem com professores". Uns recordam com saudade as aulas onde puderam tocar instrumentos e ver filmes relacionados com música e dança. Outros insistem que "ele era estranho" e que "não impunha respeito". Mas não negam que eram "mal comportados". "Portava-me sempre mal, mas não era por ser ele. Somos assim em todas as aulas, é da idade", reconheceu um dos alunos que tiveram mais participações por indisciplina.

Outra aluna, a única que, no fim das aulas, ficava para trás para conhecer melhor o silêncio de Luís, lamenta a partida "prematura" e arrepende-se de não ter ficado mais tempo a conversar com ele. "Tive medo do que as pessoas podiam dizer se me aproximasse. Sinto-me muito mal por não ter ajudado mais. Uma vez arrancámos-lhe um sorriso. Quando sorria era outra pessoa."»
Romana Borja-Santos, Público (12/3/10)

Subscrevo, na íntegra

Retirado do blogue de Ramiro Marques:

«O bullying e a violência contra professores [...] é o problema mais premente da escola pública. E é uma questão que vai agravar-se à medida que a sociedade portuguesa se afunda na miséria moral e política.

As autoridades educativas e os sindicatos, forjados num caldo de cultura que desvaloriza a autoridade dos professores, não compreendem o fenómeno, não o vivem e não sabem como lidar com ele. Não têm respostas capazes. E é por isso que tendem a desvalorizar os casos, branquear e revelar simpatia ou compreensão pelos agressores. Muitos pais de alunos, cujo carácter foi forjado por uma escola frouxa e ambientes que acentuam o relativismo e uma visão darwinista da vida e da sociedade, revelam, regra geral, simpatias pelos bullies e desprezo pelas vítimas. São causa e consequência do fenómeno de desestruturação da sociedade portuguesa. Dificilmente terão salvação. Com pais assim, acabarão inevitavelmente no Rendimento Social de Inserção ou na cadeia.

O alongamento da carreira profissional - estendida até aos 65 anos por via das recentes alterações às regras da aposentação - conduzirá a um aumento exponencial de baixas psiquiátricas prolongadas, burn out e suicídios de docentes. A violência contra professores tenderá a agravar-se e a sociedade naturalizará essa violência como o preço a pagar por uma profissão que perdeu prestígio e autoridade e se deixou contaminar pela concepção da escola/armazém e a ideologia do professor-faz-tudo.

As escolas públicas tendem a tornar-se refúgios de alunos da classe baixa e os pais com poder económico e alternativas olharão para os colégios privados como as instituições naturalmente vocacionadas para protegerem e acolherem os seus filhos. À medida que os filhos da classe média abandonarem as escolas públicas, estas tornar-se-ão, cada vez mais, espaços, sem lei nem normas, onde os mais fortes fazem valer a sua autoridade.»

Ramiro Marques

Ao sábado: momento quase filosófico

Filosofia Antiga

«Tales de Mileto, que é considerado o primeiro filósofo da história, e a quem se atribui ter dito que tudo provém da água e que é esse elemento comum a todas as coisas, afirmava também que não havia verdadeira diferença entre a vida e a morte. A esse propósito, certa vez, alguém lhe perguntou:
— Se não há diferença, porque é que não te matas?
— Por isso mesmo - respondeu Tales -, por não haver diferença.»
Pedro González Calero, A Filosofia com Humor.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Fragmenti veneris diei

«A cidade, como todas as cidades, era inesgotável. Se uma pessoa continuasse a avançar, por exemplo, para leste, chegava a um momento em que os bairros da classe média acabavam e apareciam, como reflexo do que acontecia a oeste, os bairros miseráveis, que aqui se confundiam com uma orografia mais acidentada: morros, depressões, ruínas de antigos ranchos, leitos de rios secos que contribuíam para evitar a aglomeração. Na parte norte viram uma cerca que separava os Estados Unidos do México e para lá da cerca contemplaram, desta vez saindo do carro, o deserto do Arizona. Na parte oeste deram a volta por dois parques industriais que por sua vez iam sendo rodeados por bairros de barracas.
Tiveram a certeza de que a cidade crescia a cada segundo. Viram, nos extremos de Santa Teresa, bandos de urubus negros, vigilantes, caminhando por campos ermos, pássaros a que aqui chamavam gallinazos, e também zopilotes e que não eram mais do que urubus pequenos e necrófagos. Onde havia urubus, comentaram, não havia outros pássaros. Beberam tequilla e cervejas, comeram tacos no terraço panorâmico de um motel na estrada de Santa Teresa para Caborca. O céu, ao entardecer, parecia uma flor carnívora.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 158-159.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Dois meses e três dias depois

Passaram-se dois meses e três dias, após a celebração do Acordo de Princípios entre o ME e alguns sindicatos.
Esse dia 8 de Janeiro foi o culminar apressado e repentino de um estranho relacionamento de recíproca sedução entre a nova ministra da Educação e alguns sindicatos (FENPROF e FNE, de modo particular). Esse relacionamento de recíproca sedução iniciou-se, pelo menos publicamente, na primeira reunião realizada entre a recém empossada equipa do Ministério da Educação e as estruturas sindicais. Foi logo nesse dia, à saída da reunião, que Mário Nogueira considerou, com um sobranceiro encolher de ombros, uma irrelevância semântica a dicotomia entre a exigência da «suspensão» e a exigência da «substituição» do modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. Isto é, tanto fazia uma coisa como outra.
E como era uma irrelevância semântica, o Governo e o PSD juntaram-se de imediato aos sindicatos e impediram que o modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues fosse suspenso, alegando ambos que os sindicatos tinham deixado de exigir a suspensão da avaliação (Isabel Alçada e Pedro Duarte disseram-no, respectivamente, na Grande Entrevista, da RTP1, e no Parlamento).
Essa irrelevância semântica acabou por ter como consequência imediata a validação sindical de dois anos de obscenidades avaliativas e como consequência mediata a situação que hoje se vive em todas as escolas: a incompetente e iníqua legislação de Maria de Lurdes Rodrigues continua em vigor; que o digam, por exemplo, os professores contratados, ou os professores que no presente ano lectivo mudam de escalão, ou todos os professores das escolas que, alegre e legalmente, continuam a desenvolver os procedimentos avaliativos segundo a legislação vigente, não querendo saber de Acordos de Princípios para coisa alguma.
Todavia, o processo de recíproca sedução entre ME e alguns sindicatos produziu não apenas a situação acima descrita, como produziu uma objectiva (e por muitos desejada) sedação dos professores e, não menos importante, uma sui generis estratégia sindical, que consistiu e consiste em fazer do Ministério da Educação uma espécie de angélica e cândida ilha política no seio de um perverso e demoníaco Governo. É, aliás, à luz desta sui generis estratégia sindical que é possível, compreender que, um dia, se assine um Acordo de Princípios e, um mês e tal depois, se possa entrar numa greve geral da Função Pública.
Será também, e somente, num contexto de sucessivas originalidades sindicais que se conseguirá não ficar perplexo com esta peremptória afirmação do Secretariado Nacional da Fenprof: «O acordo de princípios sobre a carreira, assinado pela FENPROF em 8 de Janeiro, constituiu um dos momentos mais importantes da história da luta dos professores portugueses.» (in proposta de Plano de Acção, a apresentar ao 10.º Congresso daquela Federação).
Dois meses e três dias depois desse momento histórico e quatro meses depois de nova governação, vemos que as enormidades avaliativas, praticadas durante dois anos, foram todas sindicalmente certificadas; vemos que, no futuro, as enormidades avaliativas vão continuar, porque o novo modelo é, basicamente, a continuação do modelo simplex; e vemos que continuam a reinar a maior confusão e as maiores arbitrariedades nas escolas.
Mas, ao mesmo tempo, também se vê que há quem se sinta satisfeito.

Quinta da Clássica - Anton Bruckner

quarta-feira, 10 de março de 2010

Praticamente idêntico ao que se passa cá

Às quartas


Transformando-se em Tempestade


Sei que é um homem branco.
Entra de lado no vento
Permitindo ao seu lado esquerdo

esquecer o que o direito
conhece como frio. Os seus ouvidos
transformam em morte o que

os seus olhos não podem ver. O dia inteiro
ele afasta-se do sol
transformando-se em tempestade. Não

o tomes pelo uivo que ouves
ou pelo rasto que pensas estar
a seguir. Encontrar um homem branco

na neve é procurar os mortos.
Ele tem sido queimado pelo vento.
Tem deixado demasiada

carne no cascalho branco do inverno
para que deixe a sua cor como sinal.
Branco frio. Carne fria. Ele encosta-se

Ao vento de lado; mata sem
piedade tudo o que esteja ao seu lado esquerdo
entrando como a loucura na neve.

Patrick Lane
(Trad.: Cecília Rego Pinheiro)

terça-feira, 9 de março de 2010

Nada importa, tudo vale

Há poucos meses tivemos eleições legislativas.
Na campanha eleitoral que as precedeu, ouvimos, sistematicamente, o Partido Socialista e José Sócrates acusarem os partidos da oposição de pessimistas e de terem um discurso negativista sobre a situação económica e financeira, e que tal discurso só fazia mal ao país.
Ouvimos, igualmente, aquilo que ainda hoje continuamos a ouvir: que Portugal foi o último país da União Europeia a entrar em crise e que foi o primeiro a sair dela.
Nesse período eleitoral e depois dele também (por exemplo, no final de Dezembro), ouvimos o primeiro-ministro repetir, com o seu característico ar de enfado, que agora e mais do que nunca o investimento no TGV era prioritário, e adiá-lo seria uma total irresponsabilidade política, ouvimo-lo dizer que portajar as SCUT só seria possível quando houvesse estradas alternativas, ouvimo-lo jurar que não aumentaria os impostos, ouvimos, ouvimos e fartámo-nos de ouvir.
O curioso é que com a mesma irresponsabilidade com que afirma tudo isto, o primeiro-ministro e o PS também afirmam exactamente o seu contrário, e, ontem, já foi anunciado que vai haver adiamento do TGV, que vai haver portagens nas SCUT e que vai haver aumento de impostos.
Não me recordo, em quase 36 anos de democracia, de ter existido um Governo e governantes como estes, em que tudo serve e de tudo se servem para se manterem agarrados ao poder. Não importa o que ontem se disse, se hoje convier dizer o seu contrário, não importa que ontem se tenha dito que não havia conhecimento do crescimento do défice para 9,3% e hoje se diga que foi uma opção deliberada do Governo, não importa que ontem se tenha traçado um cenário de optimismo e hoje se congelem os salários, nada importa, tudo vale.
Não conheço político português mais descredibilizado do que Sócrates. Lamentavelmente, este homem continua a ser o primeiro-ministro de Portugal.

Terças da MP - Caetano Veloso

Bonecos de palavra

Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Pensamentos sobre o feminino no Dia Internacional da Mulher

«A mulher tem ideias mais limpas que o homem, pois muda-as com frequência.»
Oliver Herford

«A mulher prefere muitas vezes os presentes do homem à sua companhia.»
Marilyn Monroe

«Eu sempre me espantei que deixassem as mulheres entrar nas igrejas. Que conversa é que elas podem ter com Deus?»
Charles Baudelaire
In José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Registos do fim-de-semana

Complô no Governo: 'Enquanto a gaja [Ana Paula Vitorino, ex-secretária de Estado] lá estiver é uma chatice! O Sócrates tem de dar uma sticada na gaja. Ela está completamente queimada. O Sócrates diz mal dela...'
Sol (5/3/10)

Sócrates desautoriza Teixeira dos Santos
i (5/3/10)

Sondagem: 60% dos portugueses acham que José Sócrates mentiu no Parlamento

Adesão à greve entre os 13 e os 80 por cento
Público (5/3/10)

PJ em Londres para investigar novas pistas contra Sócrates
— 'Cado Freeport' longe do fim divide investigadores —

Vamos pagar ainda mais impostos até 2013
Expresso (6/3/10)

Escutas a Sócrates:"Não posso mandar os despachos para o Parlamento" (Pinto Monteiro)
i (6/3/10)

Governo beneficia indústria farmácias e laboratórios

Espanha sairá da crise antes de Portugal
Público (6/3/10)

Portuguesa pediu ajuda para morrer na Suíça
Público (7/3/10)

domingo, 7 de março de 2010

Pensamentos de domingo

«Aquilo que mais tolices ouve neste mundo, talvez seja um quadro de museu.»
Jules Goncourt

«Um homem decente envergonha-se do governo sob o qual vive.»
Henry Menken

«Diz-se de um conceito que ele é profundo quando não tem graça nenhuma.»
Jules Renard
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Chet Baker

sábado, 6 de março de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico


Acerca da Relatividade
Relatividade Absoluta
«Muitos erros filosóficos são originados pelo tratamento dos pontos de vista relativos como se fossem absolutos. Thomas Jefferson, inspirado no filósofo britânico John Locke, considerava o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade como "auto-evidentes", presumivelmente porque pensava que eram universais e absolutos. Mas, claramente, isto não é tão evidente para uma pessoa de outra cultura — digamos, um islamita radical que pensa que a busca da felicidade é precisamente o que caracteriza um infiel.
O erro contrário também é possível. Podemos atribuir relatividade a uma coisa que é absoluta.
O vigia de um navio de guerra avista uma luz ao longe, do lado da proa de estibordo. O comandante ordena-lhe que comunique ao outro navio: "Aconselho-vos a mudar a rota em 20 graus imediatamente!"
A resposta não se faz esperar: "Aconselho-vos a mudar a rota em 20 graus imediatamente!"
O comandante está furioso. Comunica: "Eu sou um comandante. Estamos em rota de colisão. Alterem a rota em 20 graus agora!"
"Eu sou um marinheiro de segunda classe e aconselho-vos vivamente a mudarem a vossa rota em 20 graus", é a resposta.
Agora, o comandante está fora de si de tanta raiva. "Eu sou um navio de guerra", comunica.
"E eu sou um farol", vem a resposta.»
Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco Entram num Bar...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sem comentários


O Governo de Timor-leste envia 556 mil euros para ajudar as vítimas da catástrofe da Madeira

«O Governo de Timor-Leste aprovou, ontem, o envio de 750 mil dólares norte-americanos (556 mil euros) para ajuda às vítimas da tragédia na Madeira.

A decisão do Executivo de Xanana Gusmão é justificada, em comunicado divulgado pela agência Lusa, como sendo um acto de 'solidariedade e apoio para com o povo e autoridades' da Região. Antes, já o Presidente timorense, José Ramos-Horta, tinha enviado uma mensagem de condolências ao seu homólogo português.

"Nem um tostão" de Jardim
O gesto do Governo de Timor, independentemente do drama que afecta a Madeira, obriga a recordar declarações antigas em sentido contrário. Em Agosto de 1999, quando Timor era palco da destruição provocada pelas milícias pró-Indonésia e em todo o mundo se multiplicavam as manifestações de solidariedade e o envio de ajuda financeira, na Madeira, as posições oficiais foram diferentes.

De férias no Porto Santo, Alberto João Jardim garantiu que a Madeira não daria "um tostão" para Timor e que não admitia que o Estado português "mexesse" nas transferências a que a Região tinha direito. 'Nem um tostão para Timor' foi uma frase que provocou as mais duras reacções, em todo o País.

"A filosofia popular ensinou-me que cada um se deve governar por si", acrescentaria o presidente do Governo Regional, a 29 de Agosto de 1999.

Mais tarde, depois de muita polémica, na Região e no Continente, a Quinta Vigia acabaria por emendar a mão, embora de forma simbólica. Jardim disse que nunca esteve contra a ajuda ao povo timorense, mas apenas que a Madeira não podia prescindir de dinheiro para esses apoios.

No dia em que se realizou, no Funchal, uma vigília de solidariedade para com o povo maubere, o Governo Regional prometeu aprovar uma ajuda financeira. Um apoio que se iria traduzir numa resolução em que eram aprovados cinco mil euros de ajuda. Uma verba que Jardim só admitia entregar às autoridades timorenses e não às entidades portuguesas que reuniam as ajudas.

A oposição regional não deixou passar sem comentário esta alteração de posições, como já fizera em relação à recusa de 'um tostão' para Timor. Mota Torres (PS) exigiu que Jardim pedisse desculpa pelo que tinha dito e José Manuel Rodrigues (CDS), concluiu que o líder do PSD se tinha "vergado" à opinião pública e prometeu estar "vigilante" para ver se a promessa era cumprida.

Depois, já em 2000, durante uma viagem oficial à volta do Mundo, o líder madeirense diria que nem os cinco mil euros iam para Timor.»

Notícia retirada do portal NetMadeira

Fragmenti veneris diei

«Norton, de alguma maneira, sentiu-se insultada pela recusa de Morini em acompanhá-los. Não voltaram a telefonar-se. Morini poderia tê-lo feito, mas a seu modo e antes que os seus amigos empreendessem a busca de Archimboldi, ele, como Schwob em Samoa, já tinha iniciado uma viagem, uma viagem que não era em torno do sepulcro de um bravo, mas em torno de uma resignação, uma experiência em certo sentido nova, pois esta resignação não era o que vulgarmente se chama resignação, nem sequer paciência ou conformidade, mas mais um estado de mansidão, uma humildade requintada e incompreensível que o fazia chorar sem que viesse a propósito e onde a sua própria imagem, aquilo que Morini percebia de Morini, se ia diluindo de forma gradual e incontida, como um rio que deixa de ser rio ou como uma árvore que arde no horizonte sem saber que está a arder.»
Roberto Bolaño, 2666, p. 134.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mais uma notícia da «horribilis» herança de Lurdes Rodrigues

«Entre 2006 e 2008, o Ministério da Educação pagou ilegalmente 5,12 milhões de euros a 164 professores requisitados e a exercer funções em entidades de direito privado e institutos públicos, fora do ministério» (Visão, 4/3/10).
Apesar dos relatórios das auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas denunciarem, desde 2006, aquela ilegalidade, Maria de Lurdes Rodrigues autorizou que os pagamentos se continuassem a fazer durante três anos. A mesma ministra que exigia aos professores tudo e mais alguma coisa, e que repetidamente lembrava a obrigatoriedade das leis serem cumpridas, considerava-se a si mesma isenta dessa obrigatoriedade e permitia-se deixar um buraco de mais de 5 milhões de euros no seu Ministério.
Maria de Lurdes Rodrigues deixou uma herança horribilis em tudo aquilo em que tocou.

Quinta da Clássica - Bedrich Smetana

quarta-feira, 3 de março de 2010

Mais uma greve

Amanhã há greve da Função Pública, à qual os sindicatos dos professores, pelo menos, os mais conhecidos, aderiram.
Grosso modo, em Portugal, existem dois modelos de sindicalismo corporizados pelas duas centrais sindicais, CGTP e UGT.
O modelo seguido pela UGT valoriza a negociação e considera a greve como o último recurso, que, por norma, deve ser evitado. É um sindicalismo soft, que não está inserido em nenhuma corrente política revolucionária, e que sustenta a sua práxis na confiança que deposita na via reformista da sociedade; sem desestabilizações, sem convulsões, sem colocar em causa os alicerces do sistema económico e, muito menos, sem colocar em causa o sistema político.
A CGTP protagoniza uma outra perspectiva sindical (ainda que no seu interior convivam divergentes concepções quanto à principal função dos sindicatos). Afirma-se como sendo um sindicalismo de contestação que diz pugnar por transformações estruturais do sistema económico e, segundo alguns destes sindicalistas, por alterações do próprio regime/sistema político. Dentro da CGTP coexistem teses revisionistas, revolucionárias e reformistas, estas duas últimas com pouca influência.
Apesar destas diferenças, a prática sindical dos sindicatos da UGT e dos sindicatos da CGTP, em particular na última década, não tem sido notoriamente divergente. As diferenças têm sido mais evidentes no domínio do simbólico do que propriamente no da acção sindical.
As razões são, certamente, múltiplas, mas há um denominador comum entre ambas as centrais e a maioria dos sindicatos que as compõem: as fortes e enraízadas ligações e dependências partidárias, que tudo toldam e que fazem hipotecar as estratégias sindicais às estratégias partidárias.
Os sindicatos dos professores, enfermam do mesmo mal. É por essa razão que, desde 1974, o sindicalismo docente, quando chega a hora da verdade, claudica, embrenha-se em trocas e baldrocas, fraqueja. Faz recorrentemente entradas de leão e saídas de sendeiro. E enreda-se em contradições de que não consegue sair. É isso que se passa neste momento: depois de ter assinado, há dois meses, um Acordo com o Ministério da Educação traz, agora, para o terreno reivindicativo da greve de amanhã aspectos em relação aos quais apôs a sua assinatura de concordância.
Em paralelo, é obrigatório perguntar, a todos os sindicatos envolvidos, pela estratégia sindical de que, supostamente, a greve de amanhã deverá fazer parte. Após o dia 4 de Março, quais são os planos de acção sindical? Que passos se seguem? Também é obrigatório perguntar se a greve de amanhã se inscreve na mesma estratégia que se repete há muitos e bons anos, isto é: realizar uma greve, ritualmente, por altura da discussão do Orçamento de Estado, cujas consequências têm sido, objectivamente, igual a zero.
Aguardei, até hoje, para ver estas perguntas respondidas. As respostas não chegaram.
Amanhã, não farei greve.