sexta-feira, 7 de maio de 2010

Fragmenti veneris diei

«Disse que conhecíamos muitos tipos de estrelas ou que julgávamos conhecer muitos tipos de estrelas. Falou das estrelas que se vêem à noite, como por exemplo, quando vamos de Des Moins a Lincoln, pela estrada 80 e o carro se avaria, nada de grave, o óleo ou o radiador, talvez um pneu furado, e saímos, tiramos o macaco e a roda sobresselente do porta-bagagem e mudamos a roda, no pior dos casos meia hora, e quando acabamos olhamos para cima e vemos o céu coberto de estrelas. A Via Láctea. Falou das estrelas do desporto. Essas são outro tipo de estrelas, disse ele e comparou-as com as estrelas de cinema, embora tenha feito notar que a vida de uma estrela do desporto costumava ser bastante mais curta do que a vida de uma estrela de cinema. A de uma estrela do desporto, no melhor dos casos, costumava durar quinze anos, enquanto a vida de uma estrela de cinema, também no melhor dos casos, podia durar quarenta ou cinquenta anos se tivesse começado a carreira ainda jovem. Pelo contrário, a vida de qualquer das estrelas que uma pessoa podia contemplar na berma da estrada 80, enquanto viajava de Des Moins a Lincoln, costumava durar milhões de anos ou então, no momento de a contemplar, podia já ter morrido há milhões de anos e o viajante que a contemplava nem sequer suspeitava. Podia tratar-se de uma estrela viva ou podia tratar-se de uma estrela morta. Por vezes, consoante a forma como a víssemos, disse ele, essa questão tinha pouca importância, pois as estrelas que vemos de noite vivem no reino da aparência. São aparência, da mesma maneira que os sonhos são aparência. De tal maneira que o viajante da estrada 80 a quem um pneu acabou de rebentar não sabe se o que contempla na imensa noite são estrelas ou se, pelo contrário, são sonhos. De alguma forma, disse ele, esse viajante parado também é parte de um sonho, um sonho que se desprende de outro sonho assim como uma gota de água se desprende de uma gota de água maior a que chamamos onda. Uma vez chegado a este ponto, Seaman advertiu que uma coisa é uma estrela e outra coisa é um meteorito. Um meteorito nada tem a ver com uma estrela, disse ele. Um meteorito, sobretudo se a sua trajectória o levar a colidir directamente com a Terra, não tem nada a ver com uma estrela nem com um sonho, mas sim, talvez, com a ideia de desprendimento, uma espécie de desprendimento ao contrário. Depois falou das estrelas do mar [...]»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 294-295.