A Vida Anterior
Vivi por muito tempo em pórticos faustosos
Pelos marinhos sóis de fogos mil queimados,
Que à noite eram quais grutas de basalto, alteados
Os seus grandes pilares, direitos, majestosos.
As ondas, ao rolar os céus nelas gravados,
Fundiam, em transportes místicos, sumptuosos,
Da música que é sua acordes portentosos
Aos tons do sol-poente em meu olhar espelhados.
Aí foi que eu vivia de volúpias calmas,
Em meio dos azuis, das vagas, de esplendores,
E dos escravos nus e rescendendo odores,
Que a fronte me abanavam agitando palmas
E cujo só cuidado era quem descobria
O segredo angustioso que me enlanguescia.
Charles Baudelaire
(Trad.: Jorge de Sena)