«O grande debate sobre o casamento homossexual está a suscitar um debate subterrâneo e algo irónico sobre o impedimento dos casamentos polígamo e incestuoso. Os defensores do primeiro rejeitam a mistura ("absurda e ofensiva", garantem) com os segundos. Reaccionarismo? Para dizer o mínimo. Se apenas o preconceito e a lei que o reflecte impedem o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, porquê distingui-lo das demais possibilidades de matrimónio e do combate aos demais preconceitos? É verdade que o activismo gay tenta explicar. Eu é que não percebo os argumentos.
Um dos argumentos pretende que, ao invés da poligamia e do incesto, a homossexualidade é identitária. A sério? Por regra, a identidade de uma minoria é conferida pela maioria. Mesmo descontada a célebre "boutade" de Gore Vidal ("homossexual é substantivo, não adjectivo"), é evidente que a definição de alguém enquanto homossexual teve na origem um carácter pejorativo que não estamos interessados em manter, pois não?
Outro argumento sustenta que o casamento gay não prejudica ninguém. Nem o poligâmico, desde que se assegure idêntico estatuto aos géneros. O Islão, em que o papel da mulher é legalmente subalterno, é péssimo exemplo. Para nem falar da hipótese da poliandria (união de uma mulher com vários homens), não é obrigatório que a poliginia (união de um homem com várias mulheres) corresponda a um sistema injusto. Quanto ao incesto, é possível que a sua interdição talvez tenha começado logo pelos problemas genéticos que a reprodução dentro da família imediata coloca, maçada erradicável numa época em que, como todos (excepto a dra. Ferreira Leite) compreendemos, o casamento não se resume à procriação.
O último argumento é o do barulho. Aparentemente, só importa discutir o casamento homossexual na medida em que só os homossexuais se organizam em grupos para combater a discriminação de que se dizem alvo. Mas não será que o poder reivindicativo do movimento gay mostra justamente a respeitabilidade que conquistou? E que a inexistência de campanhas em prol da poligamia e do incesto exprime o medo e a discriminação muito superiores a que os seus praticantes, reais ou platónicos, estão sujeitos? Nunca se sabe.
Não acho o assunto demasiado empolgante. Acho, porém, que se a ideia é acabar com os preconceitos, conviria deixarmo-nos de hipocrisias e acabar com todos de uma vez, incluindo o que restringe o matrimónio a seres humanos. Os zoófilos também são gente, e se os desenhos animados não são, há gente empenhada em casar com eles (no Japão decorre uma petição para o efeito). Já que o casamento não tem de ser o que a lei define, pode ser o que um homem quiser. Ou dois homens. Ou três, sendo um deles uma mulher e os restantes os irmãos Metralha.»
Um dos argumentos pretende que, ao invés da poligamia e do incesto, a homossexualidade é identitária. A sério? Por regra, a identidade de uma minoria é conferida pela maioria. Mesmo descontada a célebre "boutade" de Gore Vidal ("homossexual é substantivo, não adjectivo"), é evidente que a definição de alguém enquanto homossexual teve na origem um carácter pejorativo que não estamos interessados em manter, pois não?
Outro argumento sustenta que o casamento gay não prejudica ninguém. Nem o poligâmico, desde que se assegure idêntico estatuto aos géneros. O Islão, em que o papel da mulher é legalmente subalterno, é péssimo exemplo. Para nem falar da hipótese da poliandria (união de uma mulher com vários homens), não é obrigatório que a poliginia (união de um homem com várias mulheres) corresponda a um sistema injusto. Quanto ao incesto, é possível que a sua interdição talvez tenha começado logo pelos problemas genéticos que a reprodução dentro da família imediata coloca, maçada erradicável numa época em que, como todos (excepto a dra. Ferreira Leite) compreendemos, o casamento não se resume à procriação.
O último argumento é o do barulho. Aparentemente, só importa discutir o casamento homossexual na medida em que só os homossexuais se organizam em grupos para combater a discriminação de que se dizem alvo. Mas não será que o poder reivindicativo do movimento gay mostra justamente a respeitabilidade que conquistou? E que a inexistência de campanhas em prol da poligamia e do incesto exprime o medo e a discriminação muito superiores a que os seus praticantes, reais ou platónicos, estão sujeitos? Nunca se sabe.
Não acho o assunto demasiado empolgante. Acho, porém, que se a ideia é acabar com os preconceitos, conviria deixarmo-nos de hipocrisias e acabar com todos de uma vez, incluindo o que restringe o matrimónio a seres humanos. Os zoófilos também são gente, e se os desenhos animados não são, há gente empenhada em casar com eles (no Japão decorre uma petição para o efeito). Já que o casamento não tem de ser o que a lei define, pode ser o que um homem quiser. Ou dois homens. Ou três, sendo um deles uma mulher e os restantes os irmãos Metralha.»
Alberto Gonçalves, Diário de Notícias (22/1/09)