quarta-feira, 21 de março de 2012

Estranhos silêncios

Há pouco mais de quinze dias, foi divulgado um estudo realizado pela Universidade do Porto que concluía o seguinte:
a) no ensino superior, os alunos oriundos dos colégios privados obtêm classificações mais baixas do que os alunos provenientes das escolas públicas; 
b) as classificações com que os alunos entram nas universidades não tem nenhuma relação relevante com o seu posterior desempenho nas faculdades.

Aguardei, desde então, pelo aceso debate que estas conclusões supostamente deveriam suscitar. Mas aguardei em vão. Não me recordo de ter lido ou ouvido nenhuma polémica particularmente relevante sobre a matéria. Contudo, parece estranho isso não ter acontecido. 
Na realidade, o assunto é sério. Aliás, é particularmente sério. E não se compreende o silêncio de algumas vozes e de algumas penas que recorrentemente se reclamam detentoras do monopólio da defesa do ensino exigente e rigoroso e o identificam com o ensino praticado nas escolas privadas. Alegam, a favor desta pretensa «evidência», com os resultados anualmente publicados nos rankings das escolas. Ora, o estudo desmente a dita «evidência». Deste modo, o seu silêncio é comprometedor: a partir de agora, persistirá sempre a dúvida (ou a certeza) de que aquilo que verdadeiramente move tais vozes e tais penas não é a defesa da exigência e do rigor no ensino, mas apenas a defesa interessada, e muitas vezes interesseira, das escolas privadas em detrimento das escolas públicas. 
O estudo contraria, de modo objectivo, a ideia repetidamente divulgada de que a qualidade da educação está nos colégios e de que, consequentemente, as escolas do Estado devem seguir o seu exemplo. O estudo revela a falsidade da proposição que afirma a melhor preparação dos alunos do ensino privado em relação aos alunos saídos do ensino público. Ao contrário, o estudo mostra que são os alunos provenientes da escolas do Estado que obtêm, em média, as mais altas classificações, no ensino superior. De entre os exemplos mencionados no estudo, refere-se o caso das duas escolas que mais estudantes conseguiram fazer entrar na Universidade do Porto, no ano lectivo 2008/2009: o Externato Ribadouro (ensino privado) colocou 154 estudantes e a Escola Secundária Garcia da Orta (ensino público) 114. Ao fim de três anos na Universidade do Porto, dos 154 estudantes provenientes do Externato apenas se contavam 5 entre os melhores alunos, enquanto dos 114 oriundos da Garcia de Orta havia quase o triplo, 14. Em todos os critérios do estudo, os alunos das escolas públicas obtiveram sempre os melhores resultados. 
Ora isto mostra duas coisas:
1. Os rankings das escolas, quer pela forma grosseira como são feitos quer pela natureza dos dados em que se fundamentam, não possuem credibilidade: uma escola situada no topo do ranking não significa ser a escola com os alunos melhor preparados, e muito menos significa ser a escola onde melhor se ensina;
2. A fiabilidade avaliativa dos exames nacionais é reduzida: os alunos que obtêm melhores resultados nos exames não são necessariamente aqueles que têm mais e melhores conhecimentos nem são aqueles que estão mais capacitados para serem melhores alunos universitários.
É por isso que, relativamente aos critérios de acesso ao ensino superior, deste estudo se retira uma conclusão: «Precisávamos que os jovens fossem escolhidos de outra maneira, que deixassem os dezanoves e os vintes e se privilegiasse o cidadão, assim como necessitávamos de um novo modelo de ensino e de um número de alunos mais reduzido para fazermos muito bem o nosso trabalho».

Sobre esta matéria era interessante ouvir o comentário de Nuno Crato. Sabendo nós que o actual ministro da Educação é um obsessivo defensor dos exames nacionais, pois vê neles a forma mais fiável e mais credível de avaliar, conviria conhecer-se que ilações ele retira dos resultados deste estudo universitário. 
Todavia, nestas situações como em outras similares, o silêncio vai continuando a valer como estratégia de recurso...