domingo, 7 de dezembro de 2008

Resposta a MFerrer

Nota intodutória: devido à extensão do texto, decidi colocá-lo no corpo principal do blogue. Para quem quiser seguir, desde o início, a troca de comentários entre mim e MFerrer, basta consultar os comentários dos posts «Quem está a mentir?» (5/12/08) e «Uma resposta aquém do necessário»(6/12/08).

MFerrer,

Ainda bem que aceitou o meu repto e decidiu mudar o estilo de comentário que estava a utilizar. Por ali, não íamos a lado nenhum e, como lhe disse, estávamos todos a perder tempo.
Não há nada melhor do que sermos frontais, assumirmos com clareza as nossas opiniões e apresentarmos argumentos que as sustentem. Li com atenção a sua argumentação, agora, fará o favor de proceder do mesmo modo.

Diz MFerrer que: «Eu não aceito que a Esc. Pública, paga a peso de ouro pelo contribuinte, apenas seja capaz de tornar à sociedade 50% dos formandos, ao final de 9 anos de trabalho. Os restantes foram entretanto, cuidadosamente escorraçados e deitados fora. Imprestáveis que terão que ser reciclados através de novos investimentos em campanhas anti-droga, em polícias, em cadeias de alta segurança e que tenhamos dos mais baixos níveis de escolaridade média da UE apenas comparáveis com alguns do 3º mundo. Recuso essa tranquila solução que perdurou anos a fio na nossa Escola Pública com a cumplicidade dos srs. professores e dos responsáveis a todos os níveis do País! Como recuso que tenhamos abandonado toda a população cigana. E que tenhamos o maior índice de crimes contra as mulheres, solteiras, casadas, novas e velhas!»

Pergunto-lhe:
— Que conclusão substantiva pretende que se tire daqui? Que os professores são os criminosos do reino? Que atiram 50% dos jovens para a criminalidade, para a droga e para a prisão? Que são os professores que abandonaram a população cigana? Que são os professores os responsáveis pelos crimes contra as mulheres, solteiras, casadas, novas e velhas?
Vamos lá ver se nos entendemos. Não lhe parece que a sua sanha contra os professores lhe retira clarividência argumentativa e credibilidade intelectual? Não quer acrescentar a guerra do Iraque e a crise internacional como sendo mais uns casos da responsabilidade dos professores?
Fazendo um esforço para tentar conversar seriamente sobre o emaranhado de afirmações que fez, quero deixar-lhe alguns apontamentos:

1. MFerrer, não tente fazer-se passar por campeão das preocupações com os problemas da juventude portuguesa. No máximo, aceito-lhe isto: está tão preocupado como nós, professores, com esses problemas. Mas mais preocupado não está. Não lhe aceito lições de moral sobre esta matéria.

2. Só por manifesta ignorância ou por má-fé (que espero não seja o caso) alguém pode dizer, como MFerrer diz, que 50% dos alunos foram «escorraçados e deitados fora».
O MFerrer não sabe, objectivamente, do que está a falar. Não tem a mínima noção do trabalho realizado pelos professores para evitarem que os alunos se percam, desistam ou abandonem. Há um princípio básico que todos deveríamos respeitar: não devemos falar de coisas que não sabemos. E MFerrer não sabe do que está a falar. Culpar os professores pelo insucesso e pelo abandono escolar é um absurdo sem medida. Todos nós podemos fazer diletantes análises pretensamente pertinentes baseadas em meia dúzia de números que vamos catrapiscando pela leitura dos jornais ou pela escuta dos noticiários, mas isso é manifestamente insuficiente para, a partir daí, alguém se sentir autorizado a emitir juízos de valor radicais e definitivos sobre o que quer que seja.
MFerrer tem a leviandade de pensar que algum professor, digno de ter esse título, fica satisfeito ou sequer indiferente perante o insucesso dos seus alunos? Está a sugerir que há maus professores? Claro que há, como há maus médicos, maus engenheiros, maus juízes, etc. E daí, conclui-se o quê? Não siga o caminho fácil da crítica arbitrária.
Terei muito gosto em convidá-lo a passar um dia na minha escola para conhecer, em concreto, o trabalho que os professores desenvolvem junto dos alunos, em particular, junto dos alunos cujos comportamentos se situam na fronteira da marginalidade: desde aqueles que revelam uma atitude de permanente indisciplina até aqueles que insultam, maltratam ou agridem colegas, funcionários ou mesmo professores.
Aceita o convite?

3. Mas, para além de tudo isto, há algo que MFerrer tinha obrigação de saber, já que denota tanto interesse pelos problemas sociais: as principais causas do insucesso e do abandono escolares estão a montante da escola. É preciso lembrar-lhe isto? Não sabia? Sabe, não sabe? Mas é feio fazer de conta que não sabe e, demagógica e insultuosamente, atirar as responsabilidades para cima dos professores.
Também terei de lhe recordar que os primeiros e principais responsáveis pela educação das crianças são os pais? Tem dúvidas sobre isso? Ou é-lhe mais fácil arremessar culpas para cima dos outros? Não o vejo a si, como a nenhum responsável político, a denunciar publicamente esta situação: a manifesta desresponsabilização dos pais na educação dos filhos. Como tem obrigação de saber, a escola nunca poderá nem deverá substituir a família. Com que direito, com que legitimidade se acusa a escola, se acusam os professores de serem os únicos ou os principais responsáveis pelos maus resultados escolares? Os professores não se demitem das suas obrigações, mas não arcam com culpas alheias.

4. Agora, tenho de lhe fazer recordar que quem delineia o sistema educativo, e a sua Lei de Bases, não são os professores. Recordo-lhe também que quem define a estrutura curricular não são os professores; nem são eles que elaboram os programas disciplinares; nem são eles que estipulam as regras que edificam o estatuto do aluno; etc.; etc.; etc.; são os governos. São os governos que definem as políticas educativas. Ainda não se tinha apercebido disso? Ou alivia-lhe a consciência dizer que são os professores os responsáveis por tudo e mais alguma coisa? E, agora, recordo-lhe que o Partido Socialista completa, no próximo mês de Março, onze anos de governo, no decurso dos últimos catorze. O tal partido que, no seu entendimento, está a fazer um excelente trabalho. É a ele a quem se deve dirigir em primeiríssimo lugar.

5. MFerrer revela-se muito comprazido com a política educativa do actual Governo. A sua zelosa perspicácia para com actuação dos professores já não lhe serve para avaliar a actuação da ministra da Educação? O escandaloso faz-de-conta que são os CEFs e as Novas Oportunidades não lhe suscitam uma palavra de crítica? O vergonhoso facilitismo de alguns exames nacionais não repugna a sua alma sensível? A defesa da irresponsabilidade, presente em algum do articulado do novo Estatuto do Aluno (alterado à pressa, recentemente), não lhe traz nenhuma incomodidade? Ou, relativamente a tudo isto, não sabe do que estou a falar? E, já agora, não se importa que toda esta gigantesca farsa seja «paga a peso de ouro pelo contribuinte»? (A propósito, avivo-lhe a memória, se é que se tinha esquecido, que o meu caro MFerrer não é mais contribuinte que eu próprio e que todos os professores. No máximo pode ser tão cumpridor, mas mais cumpridor não é. E espero que seja, de facto, cumpridor, caso contrário, nem lhe estaria a responder).


Sobre a questão das arruaças, MFerrer comenta: «Agradeço a vontade de me esclarecer quanto às arruaças!!! Que foram arruaças quase todas, senão todas, as manifestações de professores, de alunos, ainda crianças inimputáveis e que agrediram verbal e fisicamente os superiores hierárquicos a quem devem respeito. A essa falta de respeito, a esses insultos e provocações chamei eufemisticamente de Arruaças, para evitar usar de um vernáculo apetecível.»
Não tem nada que agradecer, esclarecê-lo-ei sempre que necessário. Mas vejo que o esclarecimento não foi suficiente. Deste modo, tentarei o que me parece uma quase impossibilidade: contribuir para que MFerrer adquira algum bom senso nas afirmações que faz. E utilizar aqui o termo afirmações é que é um eufemismo, porque o que realmente MFerrer faz é proferir insultos e mentiras. Não meta os alunos no meio da conversa. Se tiver alguma prova de que os alunos foram instigados por algum professor para atirarem ovos à ministra, apresente-a, se não tem essas provas não se acobarde por trás de um nickname (MFerrer) para fazer acusações que não pode assumir de cara descoberta. Deixemos, pois, os alunos de lado.
Vamos aos professores. O MFerrer viu, ouviu, teve conhecimento, por alguma via ou forma, de algum desacato, de algum incidente, de alguma altercação, de alguma violação da ordem pública que algum professor tenha produzido no decurso de qualquer uma das manifestações (8 de Março ou 8 de Novembro)? Tem conhecimento de algum acto reprovável cometido por algum professor no decurso da maior greve de professores realizada até hoje? Se tem, diga. Quando, onde e com quem isso aconteceu. Fico à espera.
Vejo, caro MFerrer, que, para si, manifestações legalmente permitidas e acções de greve são arruaças. É livre de pensar assim, mas isso classifica-o a si, não classifica as greves nem as manifestações.
Refere casos de insultos gratuitos à ministra ou a algum membro do Governo. Reprovo-os. Não subscrevo essas práticas. Mas não posso deixar de lhe dizer que considero curiosa a sua sensibilidade aos insultos que tenham sido dirigidos à ministra e não revele idêntica sensibilidade às dezenas de insultos que quer nos jornais quer em blogues quer em sítios da net são feitos aos professores. Ou, por infeliz coincidência, nunca leu nem nunca ouviu nada disto?
É feio, muito feio, ter dois pesos e duas medidas para se poder aferir a realidade segundo as conveniências.

Mais à frente, MFerrer acha por bem sentenciar o seguinte: «Pois a luta dos professores nada tem de legítima se apenas pretende perpetuar os fundamentos da desigualdade e as suas vantagens corporativas face a todos os outros trabalhadores. A luta não é legítima se querem continuar a reformar-se aos 52 anos de idade no topo da carreira. Nem me vou alongar em mais ilegitimidades evidentes e que têm que acabar!»
MFerrer, há requisitos mínimos de seriedade que têm de ser respeitados. O MFerrer vai fazer-me o favor de provar o que está a dizer, está bem? E depois conversamos. Isto é, vai dizer-me, exactamente, quais são os fundamentos da desigualdade e as vantagens corporativas de que os professores usufruem, face a todos os outros trabalhadores. A situação que refere de aos 52 anos de idade ser possível reformar-se no topo da carreira já não existe desde 2005, e aplicava-se, salvo o erro, apenas aos professores do ensino básico. Era incorrecto? Era. Digo-lho com todas as letras. Entre parêntesis, posso lembrar-lhe, contudo, que muitos destes maus exemplos vieram de empresas privadas, em particular, dos bancos. Mas isso é conversa lateral, porque nada disto existe, hoje, nem nada disto tem que ver com a actual luta dos professores. Isso é desconversar, é querer misturar alhos com bugalhos. Estamos a falar da luta dos professores contra o actual modelo de avaliação, não introduza ruído na argumentação.

MFerrer optou por concluir o seu comentário deste modo: «Quanto a vc ter o desplante de considerar que pode ter o direito a achar que este governo é política e tecnicamente incompetente...deixe-me dizer-lhe que deve comprar um espelho e ver-se nele 24/24h!»
Não vou responder à grosseria e à má educação que MFerrer revela. MFerrer não me conhece de lado algum e só por isso deveria sentir-se proibido de fazer insinuações ou ataques pessoais acerca da minha pouca ou muita competência. Habitue-se a criticar a mensagem, não o mensageiro. Para quem, acima, reclamou pelas regras da boa educação é um mau exemplo que dá.
Mas adiante.
Disse e repito: este Governo é política e tecnicamente incompetente, em particular, o seu Ministério da Educação.
E, agora, provo-lho, com alguns exemplos oriundos do ME.

Politicamente incompetente:
1. Uma ministra da Educação que pretende fazer reformas contra os professores é politicamente incompetente. Uma ministra da Educação que, desde que tomou posse, sempre teve um discurso acintoso e grosseiro para com os professores é politicamente incompetente. Em lugar de mobilizar, de congregar, de incentivar, de persuadir, a ministra sempre gerou nos professores a repulsa e a revolta.

2. Uma ministra da Educação que consegue provocar uma manifestação de 100 mil professores e oito meses depois ainda consegue fazer subir esse número para 120 mil é politicamente incompetente.

3. Uma ministra da Educação que provoca uma greve nacional com uma adesão nunca antes registada é politicamente incompetente.

4. Uma ministra da Educação que durante três anos não se sentou à mesa das negociações com os sindicatos é politicamente incompetente.

5. Uma ministra da Educação que julga que faltando à verdade e manifestando tiques autoritários conseguiria algo de positivo na Educação é politicamente incompetente.

6. Uma ministra da Educação que publicamente desautoriza os professores e que publicamente defende o facilitismo para os alunos é politicamente incompetente.
Estes factos chegam? Se for necessário mostro-lhe mais.

Tecnicamente incompetente:
(Como vejo que não está por dentro dos assuntos da Educação, vou ser sintético)
1. Uma ministra que promove um concurso para professores titulares em que só considera os últimos sete anos de serviço para efeitos de currículo, fazendo com que muitos professores vissem deitados para o lixo 15, 20 e 25 anos da sua carreira é tecnicamente incompetente.

2. Uma ministra que constrói um modelo de avaliação que permite ter professores doutorados a serem avaliados por professores licenciados, professores no topo da carreira a serem avaliados por professores dois escalões abaixo é tecnicamente incompetente.

3. Uma ministra que constrói um modelo de avaliação que permite que um professor seja avaliado na componente científico-pedagógica por um colega de uma área científica completamente diferente é tecnicamente incompetente.

4. Uma ministra que constrói um modelo de avaliação assente em dezenas de parâmetros e itens avaliativos carregados de subjectividade e de absoluta inoperacionalidade é tecnicamente incompetente.

5. Uma ministra que elabora um Estatuto do Aluno e que seis meses depois tem de alterar o seu conteúdo porque o que lá está estipulado, quanto ao regime de faltas, é de tal modo escandaloso que gerava o caos nas escolas é tecnicamente incompetente.

Finalmente, quando evoca os seus cabelos brancos, espero que não se queira socorrer de um pretenso argumento de autoridade assente na brancura capilar, até porque, para o bem ou para o mal, eu também já os tenho e não seria de todo curial pormo-nos a fazer contas a esse nível. Não lhe parece?

Aproveito para lhe deixar os meus cumprimentos,

Mário Carneiro