É uma amarga ironia observar que, em cada 25 de Abril que se sucede, aqueles que têm a responsabilidade de proceder à sua celebração oficial são personagens cuja identificação com o acontecimento que celebram vai sendo cada vez menor. Ano após ano, os protagonistas institucionais das celebrações vão acentuando o divórcio entre o que eles próprios são e simbolizam e entre o que o 25 de Abril foi e simboliza.
Ao contrário do que, com insistência, os discursantes oficiais afirmam, o 25 de Abril não foi apenas o momento do triunfo da Liberdade. O 25 de Abril foi essencialmente o momento de uma notável inversão de valores políticos e éticos, na sociedade portuguesa. Valores como a Igualdade, a Solidariedade, a Justiça Social e outros foram parte integrante da Liberdade abrilista. Procurar reduzir o 25 de Abril à aquisição da Liberdade formal é a preocupação daqueles que, tolerando a existência e a inevitabilidade da Liberdade, a pretendem vazia de conteúdo. A agonia política de que as celebrações do 25 de Abril sofrem é consequência desse intencional esvaziamento — declarado no discurso e concretizado na acção política todos os dias. Todavia, o 25 de Abril de 1974 tinha muitas tarefas para realizar — hoje, contudo, muitas delas estão a regredir e quase todas por cumprir.