Apesar de vivermos um período em que o discurso das elites — políticas, financeiras e empresariais — procura criar em nós a má consciência de que descansar é um acto que se situa na fronteira do pecaminoso e de que trabalhar dia e noite é o mínimo que podemos fazer pela pátria, este blogue, arriscando desrespeitar esta mónada pensante e a salvação do país, vai dar uns dias de descanso ao seus leitores e ao seu autor. Porque sim e porque apesar daquela união nacional afirmar o contrário, o autor deste blogue faz parte da espécie tinhosa e ronhosa que afirma existirem direitos adquiridos: e um deles é o direito ao descanso.
A este propósito, é interessante perscrutar a seriedade intelectual e moral daqueles que difundem a ideia de que os direitos adquiridos são um arcaísmo e uma imensa tontice. Na verdade, o que o nosso escol dirigente diz é que não estão adquiridos apenas alguns direitos. E esses alguns direitos não adquiridos são precisamente os direitos dos assalariados, por exemplo: o direito ao trabalho, o direito ao subsídio de desemprego, o direito ao subsídio de Natal, o direito ao subsídio de férias, o direito ao salário completo, o direito à pensão completa. Estes são, no seu entendimento, alguns dos direitos não adquiridos.
Há, todavia, outros direitos que as nossa elites políticas, financeiras e empresariais já consideram ser inequivocamente adquiridos, por exemplo: o direito à propriedade privada, o direito à preservação dos bens materiais, o direito à herança, o direito ao integral cumprimento dos contratos assinados no âmbito das parcerias público-privadas, o direito a dividendos sem impostos acrescidos.
Assim, torna-se difícil compreender e aceitar o pensamento das nossas elites.
Deste modo, e enquanto não tomam uma decisão quanto à existência ou não existência de direitos adquiridos, este blogue irá usufrir do direito ao descanso, até à próxima segunda-feira.
Aos generosos leitores, votos de que possam saborear este repouso.