sábado, 27 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

O Céu para principiantes

«Os livros infantis que descrevem o Céu continuam a proliferar.[...] Recentemente, Maria Shriver publicou What's Heavens?, uma conversa entre mãe e filha depois do falecimentto da avó da menina. Quando a filha lhe pergunta porque é que não pode ver o Céu, a mãe responde com sofisticação filosófica: "O Céu não é um sítio que possamos ver. É um sítio em que acreditamos."
Mas o nosso Céu preferido num livro infantil é Dog Heaven, de Cynthia Rylant. Os cãezinhos que morrem não precisam de asas porque preferem correr e Deus, representado como um velho agricultor com um bigode branco e um chapéu engraçado, quer que os cãezinhos ajam com naturalidade. Este Céu é decididamente como o Éden, repleto de lagos, gansos e querubins com quem se pode brincar. Mais importante, se formos um cão, o Céu está cheio de biscoitos caseiros para cães em forma de gatinhos, esquilos e sanduíches de presunto. Ão, ão!
A avaliar pelas ilustrações bíblicas, os habitantes do céu estão perpetuamente felizes quase a ponto de se tornarem presunçosos.Tendem a reunir-se e conversar em pequenos grupos, preferindo a sombra de árvores com folhas em forma de penas. O próprio Deus, muitas vezes acompanhado por um séquito de santos, aparece ocasionalmente. Ele usa uma toga como todas as outras pessoas, mas, verdade seja dita, a sua é mais fluída, mas não que alguém se queixe.
O Céu é um dos locais mais populares dos cartoons, a par das ilhas desertas e dos consultórios de psiquiatras. Na grande maioria, a acção decorre junto às Portas do Paraíso com piadas sobre políticas de entrada.
Depois de passarmos os portões, temos uma divertida comédia de atitudes: aqui estamos nós no Além, mas continuamos basicamente a ser humanos com todas as nossas manias, neuroses e banalidades terrenas.
[A propósito] a eternidade — mesmo no Céu — poderá trazer aquele velho tédio? Imaginem o Gil, um pescador inveterado.
Gil está a pescar num lindo ribeiro e apanha um maravilhoso salmão com 10 quilos. Porém, enquanto está a puxá-lo sofre um ataque cardíaco fulminante.
Quando desperta, vê que está deitado ao lado de um ribeiro ainda mais belo, cheio de salmões. Ao seu lado, uma cana de pesca sofisticadíssima. Ele pega nela e lança a linha. Bingo! Apanha imediatamente um salmão espectacular de 15 quilos e puxa-o. Sente-se maravilhosamente bem. E continua a pescar enquanto os gloriosos peixes se estendem numa longa fila na margem atrás de si.
Todavia, à medida que a tarde vai passando, Gil apercebe-se de que já não está a pescar com o entusiasmo habitual. Na verdade, começa a sentir-se aborrecido.
Nesse momento, vê outro homem a andar pela margem do ribeiro na sua direcção.
— Então, isto é o Céu — diz Gil para o outro homem.
— Acha que sim? — resmunga o outro.»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.154-158.