«Nessa cidade esperou vinte e quatro horas na estação, a comer sopa do exército. O que distribuía a sopa era um sargento coxo como ele. Conversaram durante um bocado, ao mesmo tempo que o sargento despejava grandes conchas cheias de sopa nos pratos de alumínio dos soldados e ele comia, sentado num banco de madeira, um banco como os de carpinteiro que havia ao seu lado. Segundo o sargento, tudo estava prestes a mudar. A guerra estava a chegar ao fim e ia começar uma nova época. Ele respondeu-lhe, enquanto comia, que nada ia mudar nunca. Nem sequer eles, que tinham perdido ambos uma perna, haviam mudado.
Cada vez que ele lhe respondia, o sargento ria-se. Se o sargento dizia branco, ele dizia preto. Se o sargento dizia dia, ele dizia noite. E quando ouvia as respostas dele, o sargento ria-se e perguntava-lhe se a sopa tinha falta de sal, se estava muito desenxabida. Depois fartou-se de esperar por um comboio que, na opinião dele, nunca iria chegar e retomou o caminho a pé.
Vagueou durante três semanas pelo campo, comendo pão duro e roubando fruta e galinhas nas quintas. Durante a viagem, a Alemanha rendeu-se. Quando lho disseram, ele disse: melhor. Uma tarde chegou à aldeia e bateu à porta da sua casa. A mãe abriu e ao vê-lo tão descomposto não o reconheceu. Depois abraçaram-no e deram-lhe de comer. Ele perguntou se a zarolha se tinha casado. Disseram-lhe que não. Nessa noite foi vê-la, sem mudar de roupa nem tomar banho, apesar dos pedidos da mãe para que ao menos se barbeasse. Quando a zarolha o viu de pé da porta da sua casa reconheceu-o imediatamente. O coxo também a viu, assomada à janela, e estendeu a mão cumprimentando-a formalmente, até com um pouco de rigidez, pois aquele cumprimento também se teria podido interpretar como um gesto que equivalia a dizer que a vida era assim. A partir daquele momento afirmou a quem quisesse ouvi-lo que na sua aldeia todos estavam cegos e que a zarolha era uma rainha.»
Roberto Bolaño, 2666, pp. 732-733.