domingo, 7 de novembro de 2010

Ao sábado: momento quase filosófico

«Num vasto inquérito efectuado a americanos religiosos e não religiosos, os técnicos constataram que a grande maioria das pessoas acredita que existe alguma espécie de vida depois da morte, que todas as pessoas têm alma e que o Céu e o Inferno existem mesmo.
Oitenta por centos do inquiridos acreditam que existe algum tipo de vida depois da morte, com pouco menos (71 por cento) a concordar com a afirmação "Todas as pessoas têm uma alma que viverá eternamente, quer na presença quer na ausência de Deus". E quanto ao Céu? Setenta e seis por cento dos inquiridos afirmaram acreditar no Céu e cinco por cento menos disseram que também acreditavam no Inferno. (Temos de adorar esses cinco por cento de optimistas). Quanto ao tipo de Céu que a  maioria tem em mente, 60 por cento de todos os inquiridos descrevera-no como algo não mais concreto que um género de "estado de existência eterna (com Deus)" ou "simplesmente simbólico", dois conceitos que nos parecem assustadoramente filosóficos. No entanto, 30 por cento dos americanos concordaram com a afirmação de que o Céu é "um lugar real de descanso e recompensa para onde as almas vão após a morte".
É este grupo do "lugar real" que incendeia as nossas imaginações. Apesar de representarem pouco menos de um terço da população total, são estas pessoas que estabelecem a forma como as restantes vêem o Céu — como está decorado, como é a nossa aparência lá, quem poderemos encontrar, como passamos o nosso tempo (infinito) e quem lava a loiça. [...]
A ideia de Céu como o local de destino final é apresentada em toda a sua glória na Bíblia, certo? Bem, depende da pessoa a quem se pergunta.
Comecemos com os estudiosos modernos da Bíblia, e com "modernos" não queremos dizer arrogantes muito susceptíveis com a mania de que são bons, acabados de sair da faculdade; estamos a referir-nos a estudiosos influentes que analisaram a Bíblia nos últimos 200 anos, mais coisa menos coisa. Segundo estes fulanos, o significado "principal" de "céu" na Bíblia hebraica é simplesmente "o firmamento": a abóbada transparente entre as águas em cima e as águas e a terra em baixo. [...] Mas a questão essencial é que os hebreus antigos não concebiam uma vida depois da morte, muito menos no firmamento. O há muito falecido profeta Daniel fala de "vida eterna", com desfechos diferentes para os justo e para os iníquos, mas é uma vida que está estruturada em termos de ressurreição — um regresso à vida — e não de uma continuação da vida noutro lugar, como a Terra Prometida, também conhecida como Paraíso. Por isso, ainda não temos sequer um vislumbre de Céu.
No Novo Testamento, a grande maioria das  referências ao céu são ao "reino do céu", mas o reino do céu não é o Céu. Está bem, vamos tentar novamente. O reino do céu é um eufemismo para o reino de Deus e os primeiros cristãos, que começaram por ser judeus, usavam essa expressão porque o nome de Deus era considerado demasiado sagrado para ser proferido. O reino do céu não é tanto um lugar como um tempo — um tempo futuro "no fim dos tempos", quando a vontade de Deus prevalecer em todo o universo. [...]
Os modernistas defendem que foi apenas depois da morte de Jesus, quando os discípulos tiveram experiências espirituais profundas que interpretaram como um sinal de que Ele ainda estava vivo, que se desenvolveu uma noção cristã perfeitamente formada de ressurreição individual que "vai para o Céu" na; é "todo o eleito" que será transformado imediatamente — no fim da história. De igual modo, a descrição que Jesus faz do fogo eterno "onde haverá choro e ranger de dentes" refere-se, não a um Inferno na outra vida, mas antes ao fim da história, quando os iníquos serão excluídos do reino de Deus. geral. No entanto, mesmo na ressurreição não é o eu morte
Assim, achamos que não devem contar com a viagem para o Céu (ou Inferno) quando morrerem, embora seja conveniente estarem preparados, só para prevenir, Como Woody Allen, que disse: "Não acredito na vida depois da morte, mas irei preparado com uma muda de roupa interior."»
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.131-137.