terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nacos

«Ela cheirava a jasmim, muito ligeiramente. Disse-lho. Estendeu a mão e tocou-me no cabelo, afastando-me um pouco para o lado o caracol da testa, e depois, sempre franzindo o sobrolho, mergulhou a ponta do pincel nos diferentes pigmentos, não apenas num e noutro como seria de esperar, mas movendo-se de um para o seguinte, leve como uma abelha a recolher pólen apoiada nas patas traseiras e descrevendo círculos rápidos. Parecia não conseguir decidir de que cor precisava, mas era uma sensualista moderna que tinha de provar um golinho de cada.
Só posso suspeitar do que aconteceu — as três ou quatro pinceladas rápidas criando uma velatura de azul a fim de permitir que a aragem brincasse em redor do meu cabelo, o fulgor quente e acetinado da minha face, a sombra profunda sob os meus olhos a transbordar, para a qual ela misturou vermelho-acastanhado com ocre-queimado. Juro que senti o verdadeiro pincel passar sob as minhas pálpebras.
Não irei perder tempo com o que aconteceu na tela. O que aconteceu com os meus outros sentidos embriagou-me. Enquanto as horas passavam deliciosamente, as gotas de suor acumulavam-se na testa dela e entre os seus seios. Trabalhava com um brilho misterioso nos olhos, fazendo pequenos movimentos convulsivos e depois acalmando-se, vertendo-se em longas pinceladas lentas e ondulantes.»
Peter Carey, Parrot e Olivier na América, Gradiva.